Dois apontamentos prévios são necessários: primeiro, o comentário áudio da edição supracitada é partilhado entre Carpenter e um teórico de Hawks, Richard Schickel, com especial enfoque para as palavras deste último, o que lamentavelmente retira espaço ao realizador de "The Thing"; segundo, a tradução que faço aqui é muito livre, face à dificuldade natural de estar a escrever e a ouvir ao mesmo tempo - atente-se mais às ideias que à forma, mas se procura precisão, então recomendo que adquire a dita edição.
Hawks coloca sempre as personagens à frente. O seu cinema é sobre personagens, gestos, troca de cigarros, troca de adereços.
Os seus filmes de aventuras são sobre homens profissionais em perigo. Eles definem-se pela forma como trabalham.
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Tudo é geograficamente simples e directo. O filme não sai da cidade, hotéis, prisão... só no fim, na cena do tiroteio, o filme se alarga geograficamente.
Como em To Have and Have Not, o romance acontece num hotel. Aqui também acontece num hotel. Algumas cenas e diálogos são iguais. Hawks faz isso muito; recicla as suas próprias ideias. Como ele dizia, "I like to steal from myself".
Chance and Stumpy. O amor entre homens é outro grande tema dos seus filmes.
Neste filme, o ritmo é lento. Hawks não tem qualquer pressa em contar as suas histórias.
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Os cenários não são muito trabalhados, autênticos, como num filme de Sergio Leone. Hawks filma as suas personagens em sets algo standardizados de Hollywood.
Como em To Have and Have Not, a ligação entre a personagem masculina e feminina acontece com base numa desconfiança da primeira em relação à segunda, que se revela infundada.
Angie Dickinson, uma das grandes actrizes de Hawks, junto com Lauren Bacall. Penso que ela tinha 19 anos nesta altura. John Wayne tinha 50 anos. É estranho pensar que aceitamos o romance, tendo em conta a diferença de idades.
Hawks era um engenheiro, ele abordava os filmes como um engenheiro. Um trabalho de câmara simples e straightforward. Tudo é pensado, não há excessos. Ele não sente qualquer necessidade de acelerar o seu ritmo nesta altura.
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Aqui não sabemos o que acontecerá. É uma cena cinematicamente genial. Dean entra pela frente e Wayne por trás. Dean Martin faz as perguntas... Tudo muito funcional.
Lá está o homem que eles procuram. Hawks mostra-nos a nós, mas Dean Martin e John Wayne não sabem que ele está ali.
Toda a sequência é sobre reclamar a dignidade. Reclamar-se a si próprio... este é o apontamento moral que Hawks faz.
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Aqui temos uma das melhores cenas entre Dean Martin e Wayne. A sequência anda à volta de dois temas hawksianos: profissionalismo e competência.
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Hawks odiava High Noon, porque nenhum xerife profissional anda para aí a pedinchar ajuda. Rio Bravo é como que uma reacção a isto.
Hawks costumava chamar os seus actores ao set e discutia com eles, "à volta de uma mesa", as falas desse dia. Parece-me um modo muito humano de trabalho.
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Hawks coreografa tudo. Sabe onde cada actor deve estar, mostra-nos a localização, mapeando o espaço para o espectador. É como olhar de cima para um mapa.
Hawks realizava com graciosidade e simplicidade. Como Clint Eastwood, a sua câmara está sempre na posição certa, sem chamar a atenção sobre si mesma.
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Rio Bravo é um filme cheio de humor, divertido, old fashion, vai beber aos anos 30 e 40, mas também tem as cores dos anos 60. Tem acção... tem tudo. Para mim, este é um dos grandes westerns de sempre. A performance de Wayne não estará ao nível de um The Searchers, mas é seguramente mais real.
É curioso: este filme reflecte o que há de melhor em Hollywood. Um filme divertido de ver, popular no seu tempo e ainda hoje. É lento e elegante, como um pedaço de música clássica.
Aproveito esta oportunidade para publicar na íntegra a análise que fiz a "Hatari!" (1962) para a revista Red Carpet há dois anos. Nela elenco muitas das características do universo Hawks já bem presentes em "Rio Bravo".
4 comentários:
Obrigado pelo trabalho que tiveste em traduzir isto tudo. O Carpenter é um gajo inteligente e é certeiro em quase tudo o que diz.
Lembrou-me um texto muito bonito do Jorge Silva Melo sobre o Rio Bravo (de uma folha da Cinemateca, acho).
Ora essa, sou um servo do grande cinema e dos grandes cineastas. Eles falam, eu aponto e calo. :) Abraço,
(Calas, como quem consente a sorrir por dentro.)
Eu também agradeço! Muito informativo!
Abraço.
Isso é o que eu chamo uma grande frase de escritor: "Calas, como quem consente a sorrir por dentro". É exactamente isso.
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