domingo, 6 de maio de 2012

La Terre des âmes errantes (2000) de Rithy Panh


Rithy Panh é um dos cineastas mais "quentes" da actualidade. Cambojano que fugiu do terrível regime de Pol Pot para se instalar em Paris, onde estudou cinema, Panh tem-se notabilizado por mexer na ferida - ainda aberta -  da ditadura dos Khmer Rouge e da guerra civil que se lhe seguiu; tem levado os seus filmes aos maiores festivais europeus como quem carrega todo um país às costas, um país que sofre ainda os efeitos da mais absoluta destruição humana. Este filme, com o sugestivo título "A terra das almas errantes", mostra, sem histerismos, mas com dureza, a ironia trágica de um país que força a entrada na modernidade, instalando cabos Alcatel, para fazer chegar as notícias do mundo e a Internet a todo o lado, quando a maioria dos seus trabalhadores quase não tem dinheiro para comer, alguns não têm casa, muito menos electricidade ou, ainda, instrução para mexer num computador.

Panh é extremamente irónico quando põe um dos homens que escava o buraco por onde o fio de fibra irá passar, "iluminando" todo um país, a explicar a outro, que se diz vítima das lavagens cerebrais do antigo regime, para que servem aqueles fios, qual o seu significado. O homem descreve singelamente o fio que dá a imagem e o fio que dá o som, e os outros..., usando metáforas do corpo: a boca, os lábios, o bigode, a pele, etc. Mas este homem ressalva sempre: "Sou ignorante. Não sei nada, por isso, se estiver errado, não me culpes..." É arrepiante assistirmos à pobreza mais extrema - e Panh mostra-a sem filtros - de mãos dadas com esta estranha "lucidez na ignorância". "La terre des âmes errantes", o meu primeiro Rithy Panh, não será a obra mais relevante da sua já bastante significativa filmografia, mas serve perfeitamente de cartão de visita à realidade social, económica e política do seu país, aquele que é o objecto número 1 da sua inquisitiva câmara documental.

(Este filme foi exibido hoje no IndieLisboa, no quadro da celebração dos 50 anos da Viennale. Poderá visioná-lo, junto com a sua obra mais aclamada, "S-21, la machine de mort Khèmere rouge", numa promissora caixa, apenas legendada em francês, editada pela Montparnasse, a bom preço aqui.)

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