segunda-feira, 19 de março de 2012

The Innkeepers (2011) de Ti West (II)


A tese já tinha sido adiantada por Ti West em "The House of the Devil", mas aqui ele baralha ainda melhor os dados da fórmula e faz-nos interrogar sobre o mesmo, mas de outro modo: e se este filme de terror não é um filme de terror?, esta é a pergunta que ocupava mais de uma hora de filme em "The House of the Devil", mas, com "The Innkeepers", surge uma interrogação que West desenvolve em cima dessa: e se esta ideia de um filme-de-terror-que-não-se-parece-com-um-filme-de-terror constitui o terror que nos aflige a todos nós, espectadores que - como se reflectia, e bem, no debate da Década dos Zeros - procuram no cinema apenas a confirmação das suas expectativas em vez de se disporem a vê-las desafiadas? "The Innkeepers" acrescenta esta interrogação, na medida em que o terror age sobre 80% do filme como um dispositivo para o drama, isto é, recorrendo à origem grega da palavra dráma, o terror - a promessa do terror - é a força que faz as personagens agirem e reagirem no espaço, isto é, constituirem-se como personagens de corpo inteiro.

Ingmar Bergman já nos ensinou como o medo de algo - de uma chegada, de uma partida, de uma aparição, de uma doença súbita... - pode ser o dispositivo dramático ideal para "aproximar" as personagens e obrigá-las ao confronto consigo e entre si. Ti West percebe isso melhor do que ninguém, na realidade, não cai na esparrela que muitos realizadores do terror caem: não é o drama que é dispositivo de terror, mas o terror que deve ser dispositivo do drama, presença fantasmática que liga e religa as personagens entre si. Ou seja, a primeira grande fantasmagoria de "The Innkeepers" é, precisamente, não o terror a descoberto, mas, bem pelo contrário, a sua ausência ou, se quiserem, pondo a tónica no espectador, a quebra protocolar da sua omnipresença mais-do-que-patente.

Ti West alinha-se aqui com realizadores como Quentin Tarantino, que com "Death Proof", genial filme que não me canso de rememorar, ensaia a mesma hipótese - e estes são cinemas pensados a partir do "acto da escrita", a partir da folha em branco, são portanto "partos difíceis", como há muitos anos o realizador de "Pulp Fiction" ilustrou bem numa entrevista a Jon Stewart. Mas, regressando à grande hipótese deste(s) cinema(s), diria que o que co-move estes autores, writer directors de mão cheia, é o gosto pelo adiamento e o gosto pela repetição. Adiamento desse tal "preenchimento de expectativas", jogando na vertigem de uma eventual violação do protocolo que todo o espectador tradicional - e tradicionalista - estabelece a priori com o que vai ver. Repetição, isto é, circularidade da acção, imagem formada em Hawks, continuada em Carpenter e que em Tarantino, até mais do que Ti West, é quase que apenas in-corporada no acto da escrita. As personagens falam, divagam com palavras, passeiam "no vazio" do seu próprio discurso (aparentemente) estéril, e, com isso, pouco ou nada "adiantam" em matéria de plot - que plot, se isto é um naco de vida?

Portanto, Ti West está alinhado com os melhores no que diz respeito à disposição dramática do terror (nesta ordem) nas suas histórias potencialmente nada terríficas e, exactamente por isso, profundamente aterrorizadoras. Ele não constrói suspense, muito pelo contrário, ele reprime-o ao máximo, porquanto o suspense já está na cabeça do espectador, mais do que construído e desconstruído, antes da sessão começar. Não é preciso construir ou destruir o que construído ou destruído está. A solução está na terceira via: não em construir suspense, mas sim em construir outra coisa qualquer. A comédia no caso de "The Innkeepers" ou "os eighties como filme de época" em "The House of the Devil". O MacGuffin (também) está aí: enquanto estamos a ver uma coisa que não encaixa com as nossas expectativas mais imediatas, vemo-nos detidos a decifrar, afinal, até onde essa coisa nos vai levar... mas, sempre, com receio - no meu caso, perfeito êxtase - perante a hipótese de não irmos ter a lado nenhum.

Este divertidíssimo impasse - um jogo "em suspenso" sem regras claras - está presente, pelo menos, nestes dois filmes de Ti West - talvez "Trigger Man" também se mova por estes territórios, mas de modo menos óbvio. Ora, dir-me-ão que é precipitado começar já a catalogar Ti West de "grande cineasta da sua geração" ou outro tipo de etiquetagens fáceis de dizer, difíceis de sustentar... certo, mas uma coisa fundamental joga a favor dele: West escreve, monta e realiza os seus filmes. O que fez até hoje não pode, por isso, ser fruto de uma absoluta coincidência ou de uma conjugação feliz de circunstâncias. West é o directo responsável por tudo o que nos aparece à frente - um pouco como Tarantino, realizador de quem nunca ninguém duvidou o génio, mesmo quando só tinha feito "Reservoir Dogs".

Ora, por tudo isto, sinto-me pronto a "responder" ao Ricardo Lisboa do Breath Away, movido por aquilo que alguns qualificarão de "excesso de confiança": não, tudo isto não é "um feito maior que o homem que o fez", aliás, o homem, este realizador de nome suspeito, será capaz de nos surpreender ainda mais e melhor no futuro próximo. Repito ou digo pela primeira vez: isto não é futurologia, é pura convicção cinéfila. Aliás, é só por ela que escrevo o que escrevo aqui, neste espaço.

(Há pessoas que dizem que a cinefilia morreu, eu digo que o que está mais morto do que nunca é a convicção cinéfila no cinema. O Bazin teria vergonha de mais de 80% das coisas que se escrevem hoje sobre cinema, não tanto pela maior ou menor riqueza informativa ou variedade adjectiva do conteúdo, mas pela ausência total de convicção... O que é fixe é escrever-se sobre cinema sem se acreditar nele ou só se acreditando nele como "coisa morta", "coisa de museu" ou "de manual de filosofia". Por isso é que pessoas como Bénard da Costa fazem tanta tanta falta... o que diria ele sobre Ti West?)

Sem comentários:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...