domingo, 18 de março de 2012

The Innkeepers (2011) de Ti West (I)


Não me vou alongar - como devia... - nesta apreciação, até porque a impressão que o filme me deixou é qualquer coisa avassaladora, próxima da seguinte exclamação "de crítico", daquelas que se colam bem nos cartazes: "Ti West prova que é um dos maiores cineastas da sua geração" ou "Agora temos a certeza: Ti West veio para ficar!" ou... enfim, you name it.

De facto, este é um objecto muito raro no panorama actual do cinema norte-americano - ia escrever "de terror", mas voltei atrás porque comecei a pensar, confesso que com alguma irritação, em todos os pseudo-cinéfilos "academizados", cheios de preconceitos snobes, que vêem Tourneur ou Lang ou Sjostrom como quem bebe um Pinot Noir ou que falam de Hitchcock como se estivessem a recitar um poema de Rimbaud... a todos eles sugiro que comecem a prestar atenção àquilo que se faz HOJE, AGORA, invocando os mesmos conceitos cinematográficos. Olhe-se, então, HOJE E AGORA, para Ti West, que, com este filme, se afirma como um grande cineasta muito para lá dos limites do "cinema industrial de género" e muito para lá de muita coisa idolatrada pela elite snobe do cinema. Ponto final. Quer dizer, também não estamos no domínio "cult" do cinema de terror, ou melhor, de filmes de sustos e gore, aliás, com Ti West, nunca fomos levados para este território, mas se dúvidas houvesse, estas são exemplarmente desfeitas em "The Innkeepers".

West não se afirma aqui como um típico suspense builder, mas, antes, e muito inteligentemente - peso cada palavra para dizer, já agora, que não há cineasta hoje com mais balls e brains do que Ti West - , como alguém focado na dimensão dramatúrgica dos seus filmes híbridos, cada vez mais difíceis de etiquetar. Isto é, West investe tudo o que tem a ambientar o espectador ao espaço e às personagens, estas últimas tratadas com o rigor e a profundidade que reconhecemos mais facilmente em paragens que não as do género do terror. Ou seja, West acredita que, para se fazer um filme de terror - se calhar até mais: para se fazer UM filme -, o cineasta tem de se afirmar como um criador de personagens, tem de nos fazer "acreditar" nos seus gestos, no modo como cada uma delas age e reage no seu espaço, ou melhor, na maneira como elas "matam o tempo" - West não é chato, tem é o dom de transformar aqueles que são, para a maioria, "tempos mortos em cinema" em tempos de uma vivacidade fílmica extraordinária.

"The Innkeepers" começa naquilo que já é "um início à Ti West": não sabemos ao certo onde estamos, ou melhor, seguimos a apresentação dos sítios, das pessoas e das rotinas, mas não estamos cem por cento certos de que isto é, ou se venha a revelar..., um filme de terror. É que se fosse "apenas" isso, pensa o espectador, não passaríamos grande parte do filme a assistir, inebriados, a uma comédia, politica ou sociologicamente apimentada (A ghost story for the minimum wage, lê-se no cartaz), sobre dois jovens que trabalham num hotel decrépito, mais concretamente, uma rapariga luminosa e o seu amigo quirky que, pelas conversas amistosas que trocam entre si e com os poucos clientes, vão mostrando ter poucas ou nenhumas perspectivas de futuro, para a sua vida profissional ou até pessoal.

A solidão marca, desde logo, a narrativa de "The Innkeepers". A dupla de protagonistas é confrontada, várias vezes, com a sua frustrante - ainda que comoventemente benigna e honesta - existência, nem que seja, desde logo, porque os dois estão num emprego a prazo, num hotel que, em breve, dará lugar a um parque de estacionamento - e albergando, até lá, uma actriz has been, uma mãe e um filho em fuga de um pai qualquer, imaginamos, destemperado e, mais para o fim, um idoso que tem "ataques de nostalgia". Tudo é lúgubre, mesmo que da protagonista - que maravilhosa descoberta é Sara Paxton, já vos disse? - só emane jovialidade e uma beleza triste que nos faz, de novo o verbo..., "acreditar" nela - e ela reage sempre como nós reagiríamos e não como reagiria uma daquelas barbies americanas dos slasher movies mais convencionais, às quais desejamos o pior dos destinos nas mãos do Papão de serviço... Enfim, "The Innkeepers" faz da sua longuíssima, lentíssima, exposição, em jeito de "comédia social", com momentos de humor físico no limiar do slapstick finamente teatralizado - a cena do despejo do lixo é já antológica -, a grande matéria-prima do horror, um horror que - como em "The House of the Devil" - vem sempre "a seguir", quando menos se espera - ou quando já, por desistência, o espectador pensa que caiu redondo no "filme errado", no melhor dos "filmes errados".

Apesar disso, "The Innkeepers" não demora muito a encenar jump scares, alguns delirantes, porque perfeitamente MacGuffinianos - que assustam porque havia alguém que expressamente "não queria assustar"... O filme tem igualmente jogos de foras-de-campo que pertencem ao universo do (melhor) cinema de terror, certo, confirmo isso, mas também digo isto: enquanto cada um de nós é "todo ouvidos" (a utilização do som aqui dava outra crítica...) às histórias de assombrações ligadas àquele hotel, que dizem estar assombrado, enquanto tudo nos é "depositado" em doses pequenas, estamos entregues ao namoro pelas personagens e o nosso organismo, muito confuso, responde a elas não com "medo de morte", mas com risos abertos, respeitosos e compreensivos, provocados pela forma como estas ocupam o tempo. Afinal, elas estão ali para "matar o tempo" - o do hotel vazio, moribundo, e o nosso, espectadores-clientes de primeira classe, aqui, sublinho, de primeiríssima classe (what a ride!).

Mas, à medida que o tempo passa, o riso vai-se transformando em medo puro, medo nosso... pelas personagens, tudo para, no fim, o nosso coração, que já batia demasiado depressa, sair disparado do corpo, para ser endossado às nossas mãos trementes. Largará o espectador o seu próprio coração nos minutos finais? Essa é a pergunta que encerra esta obra-prima do cinema contemporâneo. Voltaremos a ela para nela nos (re)aprisionarmos, para nela nos deixarmos enganar de novo pelas mesmas mentiras doces.

(To be continued...)

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