quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Bonjour Tristesse (1958) de Otto Preminger

Não compreendo muito bem o estatuto que "Bonjour Tristesse" (1958) ganhou dentro de uma filmografia tão singular como a de Otto Preminger. Nele encontramos muito pouco daquilo que poderá caracterizar o melhor do seu cinema, nomeadamente, os longos takes, a câmara subtil que enquadra cenas inteiras, a montagem descarnada e, no substrato de tudo isto, histórias sobre jogos de espelhos e exercícios de moral no limiar da perversão.

Este é o Otto Preminger na sua feição mais assumidamente light; é o seu filme de férias com, fazemos-lhe justiça, uma coisa que tão bem representa o cinema do realizador austríaco: actrizes excepcionais e lindíssimas. No caso, a já veterana Deborah Kerr no papel de uma mulher sofisticada que se transforma numa madrasta implacável para Jean Seberg, o grande ponto de equilíbrio de todo o filme. É esta que faz a ligação entre o presente e o passado; que se posiciona, sempre, entre o pai (David Niven) e as suas amantes. Também aqui vemos outro elemento identificador do cinema de Preminger: as diferentes formas que tomam as relações entre pais e filhos, mais concretamente, entre pai e filha. Uma espécie de abordagem anódina ao complexo de Electra que leva Jean Simmons ao homicídio no noir "Angel Face" (1952).

O filme começa como o realizador gosta: a preto-e-branco. A voz-off aparece para centralizar a nossa atenção no interior convulso, contraditório, de Jean Seberg: uma rapariga que, à beira da idade adulta, receia ter perdido para sempre a capacidade de ser feliz... ao pé do seu pai. A expressão de Seberg diz tudo; o seu rosto é o ecrã onde se desenrola um outro filme, desta feita, a cores, as mais garridas: um fabuloso technicolor que leva à saturação a cor do mar, das rochas, do céu e da vivenda onde Seberg, o seu pai e "as mulheres" deste passaram um Verão tempestuoso.

A montagem alterna agora para este filme (o passado), enquanto o outro (o presente) continua a desenvolver-se fora de campo. Desde logo, esta solução pesada de montagem - com voz-off e flashback - é, a nosso ver, algo impositiva desde os primeiros instantes do filme: as personagens aparecem-nos "por apresentar", in media res, e praticamente só as vamos conhecendo mediante o recurso (preguiçoso q.b.) à narração da personagem de Seberg.

Pensamos que esta dança - entre o presente e o passado - e a narração omnipresente tornam "Bonjour Tristesse" num filme demasiado artificioso, excessivamente auto-explicativo, que força a identificação do espectador com personagens erráticas, que parecem quase sempre descoladas num enredo interessante, mas simples, que por isso mesmo merecia o melhor Preminger: aquele que pauta o seu cinema por uma desarmante linearidade e sentido prático; aquele que faz da câmara o seu único efeito especial e aquele que filma obsessivamente as suas musas, sejam elas doces ou fatais ou as duas coisas ao mesmo tempo.

Os ares de "Bonjour Tristesse" amoleceram o arrojo, ou melhor, o descaramento que, por norma, atribuímos à mais refinada mise en scène premingeriana. Quase tudo sabe a pouco.

Ler mais aqui: IMDB.

1 comentário:

JB disse...

Confesso que ainda não vi este filme, apenas li o livro. Mas sendo de Preminger, creio que terá saído algo especial.

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