Este extraordinário filme do realizador com o suspeito nome de Ti West provoca-me, assim de repente, duas reacções de espanto, sobretudo tendo-me eu como seguidor das tendências do cinema de terror norte-americano. Em primeiro lugar, este filme começa muito significativamente "entre muros", com a câmara a mover-se numa casa que poderá ser a, mas que acabará por se revelar numa antecâmara da "casa do diabo" que o título a(e)nuncia. O tradicional master shot é substituído por um plano de interior e é assim, preso à materialidade daquele tempo - que veremos ser decisivo na construção da atmosfera de todo o filme - que "The House of the Devil" nos apresenta a sua bela protagonista (Jocelin Donahue), uma jovem em busca de casa, em busca de dinheiro para pagar a renda, em busca de um emprego para arranjar dinheiro... que vai parar a outra casa.
No percurso até lá, a mesma câmara vai saboreando cada instante desse seu tempo incerto: não estamos no século XXI, nem tão-pouco nos anos 90... cenário a cenário, as roupas, os objectos vão-nos "deslocando" temporalmente para, no limite, meados dos anos 80; para, enfim, outra América e outros cinemas. É retro? É, mas sem grande deslumbramento. São os anos 80 filmados como se fossem 2011, mas num processo de degustação material muito lento, isto é, muito pouco contemporâneo - ou num ritmo que se impõe contemporaneamente, quando o melhor cinema de Carpenter, Argento, Hooper nos deixa nostálgicos? Enfim, a reflexão sobre o tempo, a capacidade (maturidade mesmo) que Ti West revela em não se prender ao filme-homenagem-de-um-tempo-em-que-os-filmes-de-terror-eram-assim é notável.
Outra coisa espantosa: como em "Halloween", os sinais gráficos do género tardam em chegar ao ecrã, fazendo reverter todos os códigos pr(é)escritos do genéro institucionalizado do filme de terror CONTRA as próprias expectativas do espectador. Isto é, a certa altura, "The House of the Devil" leva-nos a interrogar: será isto mesmo um filme de terror ou um filme de terror que apenas (pré-)existe na nossa cabeça? "Halloween" continua a ser o mais radical objecto cinematográfico a explorar esta fronteira entre o género e a sua impossível, ou desnecessária, concretização, mas "The House of the Devil" é, dos filmes de terror contemporâneos, o que leva mais longe esta ideia, ao ponto de a certa altura eu ter julgado possível ver, pela primeira vez, uma das minhas fantasias ganharem forma: um filme de terror sem sangue, um "quase" filme de terror, ou seja, um objecto propositadamente mal concebido - isto é, treslendo em toda a linha as receitas do género - que apenas explore a paranóia do espectador de cinema, ela em si mesma material de sobra para se aguentar hora e meia de suspense puro, de um "what if?" angustiante. Isto é, como seria "The House of the Devil" sem os seus minutos finais? Ainda melhor, estou certo.
No percurso até lá, a mesma câmara vai saboreando cada instante desse seu tempo incerto: não estamos no século XXI, nem tão-pouco nos anos 90... cenário a cenário, as roupas, os objectos vão-nos "deslocando" temporalmente para, no limite, meados dos anos 80; para, enfim, outra América e outros cinemas. É retro? É, mas sem grande deslumbramento. São os anos 80 filmados como se fossem 2011, mas num processo de degustação material muito lento, isto é, muito pouco contemporâneo - ou num ritmo que se impõe contemporaneamente, quando o melhor cinema de Carpenter, Argento, Hooper nos deixa nostálgicos? Enfim, a reflexão sobre o tempo, a capacidade (maturidade mesmo) que Ti West revela em não se prender ao filme-homenagem-de-um-tempo-em-que-os-filmes-de-terror-eram-assim é notável.
Outra coisa espantosa: como em "Halloween", os sinais gráficos do género tardam em chegar ao ecrã, fazendo reverter todos os códigos pr(é)escritos do genéro institucionalizado do filme de terror CONTRA as próprias expectativas do espectador. Isto é, a certa altura, "The House of the Devil" leva-nos a interrogar: será isto mesmo um filme de terror ou um filme de terror que apenas (pré-)existe na nossa cabeça? "Halloween" continua a ser o mais radical objecto cinematográfico a explorar esta fronteira entre o género e a sua impossível, ou desnecessária, concretização, mas "The House of the Devil" é, dos filmes de terror contemporâneos, o que leva mais longe esta ideia, ao ponto de a certa altura eu ter julgado possível ver, pela primeira vez, uma das minhas fantasias ganharem forma: um filme de terror sem sangue, um "quase" filme de terror, ou seja, um objecto propositadamente mal concebido - isto é, treslendo em toda a linha as receitas do género - que apenas explore a paranóia do espectador de cinema, ela em si mesma material de sobra para se aguentar hora e meia de suspense puro, de um "what if?" angustiante. Isto é, como seria "The House of the Devil" sem os seus minutos finais? Ainda melhor, estou certo.
4 comentários:
É engraçada essa ideia do filme de terror sem sangue, só feito de expectativa e mais nada. Quando vi o filme, pensei: que outro género é capaz de nos pôr na ponta a cadeira com alguém a andar de um lado para outro, a subir e a descer escadas, a abrir e fechar portas?
É uma bela pergunta, aliás, é essa interrogação - e não a resposta a essa interrogação - que me faz gostar tanto do género do cinema de terror, aquele que, a meu ver, mais ousa brincar com as suas próprias fórmulas.
E, aliás, o cinema de terror que mais gosto tende para um grau de abstracção tal em que a própria ideia de cinema de terror já não está lá...
Abraço,
É incrível o gajo despachar a satanice da treta em quinze minutos, quando o filme de terror banal demoraria o filme inteiro à procura de razões, motivação de personagens e tutti quanti. Porque depois, ou antes, será melhor dito, são cinquenta minutos a uma hora de tormento (gotas de água, rangeres de portas, sombras), mas de uma frustração imensa, porque não acontece nada.. Absolutamente nada! Só que como o filme só anda para a frente, não há certeza nenhuma de que o que vem a seguir não poderá ser alguma coisa.. Vi o Inkeepers, que também é bom, mas este aqui foi o que ficou gravado.. Ti West, indeed..
Já viste o Pontypool, do Bruce McDonald? Eu era capaz de pôr esse entre o Inkeepers e este aqui..
Fico contente que o Ti West tenha feito mais um fã! :) Acho, sinceramente, que habemos cineasta!
Quanto a esse "Pontypool", vejo umas coisas no IMDB, e fico deveras curioso. Em breve, tê-lo-ei visto!
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