terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sangue do Meu Sangue (2011) de João Canijo (III): a crítica à crítica (de novo*)


(Esta imagem, que pode ser ampliada com um clique, foi extraída do grupo de discussão do Facebook de "Sangue do Meu Sangue". Nele tenho deixado alguns comentários em defesa, inclusivamente, de algumas apreciações negativas ao filme de Canijo. O texto que se segue é, talvez, a excepção que vem confirmar a regra segundo a qual: um filme como "Sangue do Meu Sangue" ganha mais com uma crítica com ideias do que com uma crítica sem elas, onde o debate não é possível..., mesmo que a primeira seja, balanço geral feito, de inclinação negativa ou muito negativa.)

Esta não é, definitivamente, a melhor crítica que Francisco Ferreira escreveu na vida - na realidade, é uma crítica claramente mais descontrolada do que é hábito neste crítico que admiro bastante. Aqui está um exemplo de uma crítica pela negativa quase tão nula quanto as muitas positivas que tenho lido: uma colecção algo panfletária de adjectivos que engolem por completo o discurso crítico – aquele de que FF nos habituou… - que pensa e nos faz pensar sobre o filme; a conclusão - estilo Manifesto anti-Canijo, ou expressão de uma convicção mais pessoal que outra coisa, direi, demasiado pessoal - é das coisas mais gratuitas que FF escreveu. Critico, objectivamente, uma ideia que FF procura explorar neste texto: a de que Canijo estaria a fazer uso daquele mundo (o mundo do "bairro Padre Cruz" e do "Portugal actual") para, pelo que percebo, procurar um maior reconhecimento da parte do espectador. FF acusa Canijo de demagogia – termo que, só por si, nestes dias, soa a demagógico…

Ora, se, por um lado, FF diz que este é um filme “demagógico”, ou melhor, “vergado à lógica do reconhecimento”, por outro lado, FF insinua que Canijo como que, desrespeitosamente (quem fala de "respeito pelo mundo que filmou" é o crítico do Expresso), molda a seu bel-prazer aquilo que mostra, supostamente, o tal “Portugal actual” que FF sacraliza no seu texto, numa defesa do mais fechado dos projectos realistas. Ou seja, simplificando, "Sangue do Meu Sangue" é tanto um "folhetim lusitano" como um filme que não sabe prestar o respeito devido ao mundo que tem à frente e abraça: o "Portugal actual" e a vida-tal-como-ela-é do bairro Padre Cruz. Depois, FF cita João César Monteiro, dando a entender que Canijo quer o reconhecimento fácil do público face ao que vê - mimando assim o mecanismo dramático das telenovelas, qual, enfim, "folhetim lusitano". Contudo, por outro lado, Canijo e a sua mise en scène - FF não discorda - são uma presença que forma e deforma vincadamente a realidade que documenta; Canijo é o cineasta que "vende uma visão de... qualquer coisa".

Acho que esta contradição em que cai FF– que, se calhar, é só aparente, quem sou eu? – prende-se com o facto de Canijo combater a fórmula de reconhecimento mais provinciano do “Portugal real para portugueses reais” (estilo “Zona J” de Leonel Vieira) e, ao mesmo tempo, não trair o registo realista do que tem à sua frente.

Canijo faz com que “Sangue do Meu Sangue” extravase o “bairro Padre Cruz” e o “Portugal actual” porque intervém sobre o espaço da acção com um dispositivo imagético-sonoro que faz remeter a “célula” familiar para uma engrenagem que supera largamente os seus limites geográficos e sociais – o facto de “Sangue do Meu Sangue” procurar evitar o “discurso de classes”, que já enjoa, e que abunda nalgum cinema português, e que é a grande constante nas telenovelas de todos os dias…, é disso sintomático. Numa palavra, o trunfo de Canijo é este: o "reconhecimento" em "Sangue do Meu Sangue" supera o provincianismo cultural - a mui defunta e, vá, demagógica especificidade portuguesa... - e os estereótipos (outrossim demagógicos) "de classe". Ao contrário do que diz FF, este é, precisamente, o mais anti-demagógico dos filmes recentes de produção nacional.

Penso que Canijo já temperava bem este suposto "conflito interno" com a tragédia grega nos seus filmes anteriores. Em “Ganhar a Vida”, por exemplo, parece-me claro que Canijo opta, mais fortemente/mais simplesmente, pelo registo realista – qual o modelo, a via única, deste realismo puro? Dardenne? – que FF tem como o único bom nesta crítica, texto destravado que, num acto de contorcionismo com o seu quê de insidioso, consegue chamar a si uma frase de João César Monteiro que, é preciso dizê-lo, verdadeiramente, "não pertence a esta história".

* - http://cinedrio.blogspot.com/2011/10/sangue-do-meu-sangue-2011-de-joao_12.html

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