sexta-feira, 14 de outubro de 2011

António-Pedro Vasconcelos, a RTP e o serviço público de televisão

Na entrevista que António-Pedro Vasconcelos (APV) deu no recém-criado programa do canal Q "Inferno", apresentado por Pedro Vieira (irmão Lúcia)*, ficam mais ou menos claras, pelo menos, parte das razões que levaram o cineasta a sair do programa "Trio D'Ataque" para se dedicar "à luta em defesa da RTP e do serviço público de televisão", que o comentador desportivo e cineasta em part-time diz, em tom apocalíptico, estar em risco de acabar. (Eu, pela minha parte, como já escrevi aqui, acho que sim: de facto, a RTP está em risco de acabar, mas, senhor APV, não vê televisão?, o serviço público de televisão acabou há muito tempo!)

Registo, desta entrevista, duas coisas.

Primeiro. APV diz que grassa a apatia no meio intelectual em torno desta situação de emergência nacional que é a manutenção do serviço público - tal como está? Manutenção do statu quo? Manutenção DESTE serviço público? APV parece estar na luta errada, na hora errada... É que o problema da RTP, como João Mário Grilo expôs de forma lapidar no debate Cinema na RTP2**, está na RTP e foi criado pela RTP. Foi quem lá esteve - e quem ainda lá está, bem instalado... - que resolveu virar as costas ao seu público e abraçar um conceito de audiência vindo da mais reaccionária das televisões comerciais e que em nada se coaduna com o modelo de serviço público, tal como está vertido no Contrato com o Estado e na Lei da Televisão - e, até, defendo eu, na própria Constituição.

APV é que acordou tarde para esta luta, como aliás, acordam tarde todos aqueles que, depois de terem virado a cara a esse escorraçamento de públicos perpetrado por sucessivas direcções da RTP, agora se auto-proclamam "defensores da pátria" à custa da vitimização da "RTP e do seu serviço - que só na sua cabeça é - de interesse público". Não me espanta esta atitude, tendo em conta que APV, como o próprio refere, fez parte do sistema durante 20 anos. O problema do serviço público, problema que é "do país", é precisamente este: criticar algo, ao mesmo tempo que se enxota a água do capote, se lava as mãos como pilatos, se assobia para o lado quanto às responsabilidades pessoais no actual estado das coisas. E APV esteve lá dentro durante duas décadas e, enquanto lá esteve, pouco ou nada produziu de significativo na crítica aos sucessivos atropelos ao serviço público incentivados por inúmeras direcções...

Segundo. Registo ainda aquele momento em que APV, interrogado por Pedro Vieira sobre se "Fátima Campos Ferreira não seria possível nos privados", afirma qualquer coisa como "não, impossível, o modelo de serviço público não é replicável nos privados". Quando se prepara para fazer a defesa do actual dito serviço público de televisão o que ocorre a APV invocar são todos os programas culturais - programas para públicos minoritários sobre livros ou ópera, como diz APV - que os privados não estarão dispostos a aguentar em nome do interesse público. De facto,como poderão sobreviver no selvagem mercado dos privados todos os programas sobre cinema, ópera, literatura que existem hoje na RTP? Impossível, até porque, como todos sabemos, na RTP abunda uma programação cultural de enorme qualidade.

*- Quase ao mesmo tempo (e actualizando este post - neste dia, 16 de Outubro 2011 -), APV foi ao talk show de bonecos animados do Wemans, "Noite do Óscar", repetir praticamente palavra a palavra as mesmas ideias...

** - Recordo que APV, em entrevista a um jornal, se disse "indiferente" a iniciativas do género da Petição pelo regresso da exibição regular de cinema à RTP. As suas palavras foram respondidas por um post espirituoso do Miguel Domingues.

Sem comentários:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...