quinta-feira, 30 de maio de 2013
Da-reun na-ra-e-seo (2012) de Hong Sang-soo
Belíssimo boy meets girl sobre uma "estrangeira" francesa e um nadador salvador coreano ou, indo à literalidade da expressão inglesa, "life guard" ("guardador de vida"). Ela busca um farol, uma espécie de orientação numa terreola coreana onde não há nada para fazer ou para ver para além do tal "pequeno farol". Ele procura uma fonte de inspiração, para uma canção, para uma troca de palavras "perdidas na tradução", para um mergulho no mar, para uma noite (noite e dia, claro) de amor na sua tenda. Os dois procuram o mesmo, para lá de qualquer barreira temporal. O primeiro elemento desconcertante em "Noutro País" prende-se com o facto de Huppert se desdobrar em personagens que obrigam o filme a sucessivas reencenações burlescas, onde cada gesto fora do previsto, que introduza a diferença na repetição, se converte num novo e refrescante acto de comunicação.
Este é um traço que o espectador português não encontrara no marvilhosamente rohmeriano "Noite e Dia". Não se pode dizer que a influência francófona, a tal aragem leve e o registo de conto sentimental, se tenha perdido, contudo, o jogo com o tempo, na repetição e na diferença que dela sobressai, radiosa, desbrava novos territórios no cinema de Hong. Esta "mudança" justifica-se, desde logo, pela pobreza da paisagem: num local onde nada há para ver e em histórias dominadas pela ideia de "espera", é preciso preencher vazios. E esses vazios são colmatados com a tal fractura temporal, o "eterno retorno" da mesma história (inconcretizada? Inconcretizável?) de amor. Em toda(s) esta(s) história(s) o toque desajeitado, deslocado, das acções é o mais imediato ingrediente de desconcerto, tendo este, enfim, esse poder de "transformar a paisagem", de tornar o farol sempre diferente (mesmo quando não se vê, mesmo quando é só "uma palavra") e a tenda (onde vive o "guardador de vida") num baluarte de infinitas possibilidades.
As mais ou menos subtis reconfigurações do que já é familiar fazem de uma paisagem vazia, desinteressante, um espaço poliédrico, tão efectivamente finito quanto virtualmente ilimitado. Sem nunca sobrecarregar a narrativa com este dispositivo - e o primeiro mérito do filme é esse -, Hong vai-se deliciando e vai-nos deliciando com a introdução de pequenos erros - erros que se traduzem em novas ideias de cinema, em novas soluções de mise en scène - que desconformam a efectiva repetição dos lugares e reconfiguram os laços entre as personagens, sobretudo entre as mesmas "figuras". Aliás, pese embora todas as "variações" (quase musicais) da sua narrativa em loop, "Noutro País" é sempre e só, essencialmente, a história de um homem e de uma mulher, o que só demonstra que o grande gesto estético conseguido aqui se sintetiza numa "constância na diversidade" que, num movimento solto e descomplicado, preenche o vazio da realidade que a narradora (no filme) nos oferece sempre como um dado. Quanto ao farol, ele, sem esforço e muito naturalmente, aparecerá à sua frente.
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