terça-feira, 21 de maio de 2013
La fille de nulle part (2012) de Jean-Claude Brisseau
No final da sessão, fui atingido por um momento aparentemente irrelevante situado perto do fim, quando a personagem de Brisseau diz à rapariga do título, a pequena loirinha que veio de nenhuma parte, que não gosta de andar na rua sem dinheiro, que isso o faz sentir despido. Não me pareceu imediato o porquê desta reincidência minha logo após a assombrosa sessão. Mas, de facto, pensando bem, "La fille de nulle part" é um filme frágil, feito com poucos meios, quase denunciada ou desavergonhadamente pobre, mas ao mesmo tempo revelador (revelador no sentido freudiano) de uma nudez rara e riquíssima. O íntimo de Brisseau é posto a nu como todo o filme é uma busca pelo oculto, pelo invisível, por aquilo que se esconde...
Aliás, a impossibilidade de um interior é desde logo ensaiada no espaço da sua casa, povoada por livros, DVDs, cassetes, fotos antigas de actores e actrizes. Como pode haver interiores se tudo remete para fora, para uma memória intensa que forra, em altura, aquelas paredes? Em certo sentido, este é um filme de paisagens, de "abismos" constantes, que se desvelam não só na superfície diegética, por exemplo, na tese sobre a fé, o mito, a ciência, o desconhecido, mas desde logo aí, nessa arqueologia da memória e do tempo que decora - de modo nada decorativo... - a casa. Por mais que uma vez, em instantes nucleares, vemos na estante o DVD de "Vertigo", filme de aparições, reencarnações, mas sobretudo obra sobre o amor, o desejo e a morte. Não será esta a grande trilogia deste filme - ou será de todos? - de Brisseau?
A economia de imagens deste filme - a tal pobreza que esconde uma riqueza constantemente em revelação - parece um traço de amadorismo no pior dos sentidos, mas será por ela que iremos melhor aceder ao íntimo do protagonista, ao mesmo tempo que nos espantaremos renovadamente com truques mélièsianos, geradores de fantasmagorias absurdas e antiquadas. O tempo está cansado, saturado de passado, e o cinema ressente-se, quebra, entorpece... Eis o filme menos ágil do mundo e, neste ano de 2013, dos mais significativos, intensos ou, justamente, românticos. (Também foi graças a ele que nasceu o texto de cinema mais belo do ano, pelo menos até agora.)
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