sexta-feira, 7 de março de 2008

Bug (2006) de William Friedkin

William Friedkin é, quanto a mim, um dos mais interessantes realizadores norte-americanos da actualidade. Porquê? Em primeiro lugar, devido à sua indisfarçável aptidão para criar uma atmosfera cinematográfica própria em cada filme que realiza; em segundo lugar, porque filma como poucos e, em terceiro, porque preserva desavergonhadamente a aura de realizador maldito.

O eclectismo temático da sua filmografia é prova disso: desde o começo, Friedkin podia-se ter agarrado ao rótulo de "realizador de acção", mas o brilhante "French Connection" nada teve a ver com o seu outro (na realidade último) sucesso de bilheteiras: o tétrico e cavernal "The Exorcist". Desde aí, a derrapagem tem sido notória, muitos dos seus filmes caíram no esquecimento e, só agora, alguns deles estão a ser recuperados, graças ao DVD (como "Cruising").

É um realizador tão subvalorizado que poucos foram aqueles que levaram a sério o filme que precede este "Bug", de nome "The Hunted". Por acaso, filme de acção animal a fazer lembrar, a espaços, "French Connection", com o estilo frontal e ultra descarnado (sem um efeito CGI) próprio de Friedkin. "Bug" leva tudo isto a um novo extremo: desta vez, temos a câmara e pouco mais do que cinco personagens num único cenário (um motel isolado no deserto).

Em suma, parece contemplar tudo aquilo que se poderia apelidar de cenário "à la Roman Polanski", com uma história que resultaria do cruzamento entre Cronenberg e a sequência da personagem de Sterling Hayden em "Dr. Strangelove" (aquela que julgava que a água estava contaminada...).

"Bug" lembra ainda a dinâmica das "peças filmadas" de Alfred Hitchcock, ainda que a montagem se sobressaia para enfatizar o delírio e a loucura (com um punhado de flashes atordoantes a intercalar cenas). Mas estas referências são apenas pontuais e nunca "Bug" envereda pela homenagem cinematográfica ou a lógica do filme-filme meramente citatório: as marcas de outros universos cinematográficos estão lá, mas devidamente digeridas e transformadas numa linguagem inusitada, entre o cinema e o teatro, como entre a realidade e o delírio, que não localizamos com facilidade noutro filme.

A paranóia securitária pós-11 de Setembro pulsa em cada cena de "Bug", como os bichos que mordem por baixo da pele dos dois protagonistas (Ashley Judd e Michael Shannon, ambos óptimos). A câmara nunca se desliga da acção, criando uma sensação de desajustamento, que se acentua dramaticamente na última meia hora. Aí percebemos que "Bug" não é só política; é também uma das mais estranhas e trágicas histórias de amor.

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

1 comentário:

Cataclismo Cerebral disse...

É um belíssimo filme sobre um amor tão intenso que suporta a manipulação, a persuasão e a paranóia. Consegue ser claustrofóbico e teatral, sem perder as suas matrizes cinematográficas. depois, permite várias leituras, o que é sempre estimulante!

Abraço e parabéns pelo excelente blog!

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