domingo, 29 de junho de 2008

Winchester '73 (1950) de Anthony Mann

O cinema de Mann é profusamente simbólico: desde o sininho de "The Far Country" (1954), que, na última cena, desvia o "olhar da câmara" do casal para a lembrança trágica dos que partiram, até às folhas soltas - do dead or alive e do diagnóstico perigoso imputado à personagem de Ralph Meeker - de "The Naked Spur" (1953), que nos recordam do carácter obsessivo e traiçoeiro das personagens, passando por essa figura-síntese de todo o western norte-americano: a arma de fogo. É esta que desperta, puxado o gatilho, sentimentos de ódio e vingança, mesmo entre iguais (irmãos contra irmãos, pai contra filho, homem contra mulher, branco contra branco...).

Em filmes como "The Man From Laramie" (1955) e, acima de tudo, "Winchester '73" (1950) estão lá todos estes condimentos. Neste último, uma obra-prima visual como poucas, Mann atreve-se a transformar a arma numa personagem - afinal, o filme tem o seu nome. Vemo-la a percorrer várias mãos – inclusive, as de um chefe índio – até regressar ao seu legítimo dono (James Stewart), um cowboy atormentado que persegue o misterioso assassino do seu pai.

A espingarda winchester é o fio condutor de todo o filme: todas as demais histórias são construídas em torno do percurso que a arma vai traçando, "de mão em mão". Entre elas, destacam-se duas muito diferentes pequenas narrativas de amor.

A primeira desenrola-se entre a personagem de James Stewart, o actor-fétiche de Mann entre 1950 e 1955, e a de Millard Mitchell, que voltaria a trabalhar com o realizador em "The Naked Spur". São os típicos buddies do faroeste, que fazem, há muito, uma vida juntos, qual casal em eterna "lua de mel" - vemos o mesmo em "The Far Country", mas, desta feita, com o mítico Walter Brennan ("Red River" e "Rio Bravo"), em vez de Mitchell.

A outra narrativa de amor, mais convencional, constrói-se entre um homem, Steve Miller (Charles Drake), e uma mulher, Lola Manners (Shelley Winters). O relacionamento entre eles sofre um revés, depois de Steve se ter acobardado perante um ataque índio e deixado a sua frágil donzela à mercê do inimigo. Apesar de ter regressado ao seu socorro, a verdade é que o marido, revelando-se fraco e covarde (yellow), perdeu a confiança (e o amor?) da sua mulher.

Há um momento estranho no filme, em que um rufia assassina à queima-roupa Steve e, a seguir, Lola, quase insensível ao sucedido, deixa-se tomar como se fosse um troféu. A partir daquele momento, sentimos que há qualquer coisa de instrumental no amor entre homem e mulher nos filmes de Anthony Mann - recordo que em "The Naked Spur" esta ambivalência está mais do que patente, o mesmo para aquele "casamento", quase que conjurado pelo destino, no fim de "The Far Country".

Não é só ao nível diegético que "Winchester '73" se assume como um western genial: em matéria de realização, temos uma câmara clássica, suave e subtil, que adora colocar-se atrás das costas das personagens - "manobra" típica em Mann... -, conferindo ao espectador uma "visão de espaço" esteticamente assombrosa. A fotografia a preto-e-branco de William H. Daniels é outro triunfo deste brilhante filme de Anthony Mann.

Ler mais aqui: IMDB e DVDbeaver.

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