quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Recorte de falas (IX): Finding Forrester

O filme não é, não pode ser, motivo para grande orgulho, sobretudo, se atendermos aos brilhantes mais recentes trabalhos de Gus Van Sant. Na realidade, "Finding Forrester" (2000) é, por vezes, do mais básico e estereotipado cinema a que alguma vez Gus Van Sant desceu. A quem critica filmes como "Milk" ou "Restless" por sucumbirem aos "clichés" do mainstream, entendendo o mainstream como um conjunto de recursos gastos, tanto formais como narrativos ou temáticos, sugiro que regresse a este "Finding Forrester", espécie de reedição from the bronx do já de si muito pouco imaginativo "Good Will Hunting". Mas... não estarei a ser demasiado duro? Talvez haja alguma coisa, nem que nas "entrelinhas", que o torne, pelo menos, interessante à luz dos mais luminosos desenvolvimentos recentes (e iniciais) da carreira de Van Sant. Cronologicamente, "Finding Forrester" é um filme entalado entre "Gerry", a obra-prima de viragem na carreira de Van Sant, e "Psycho", o remake-instalação-conceptual que tem envelhecido bastante bem.

O que é que isso interessa? Para todos os efeitos, por esta altura, Van Sant parecia obcecado, primeiro, por génios "inadaptados" - certo -; segundo, pela questão fortemente teórica da cópia/plágio, na realidade, o grande tema escondido de "Finding Forrester" e, de modo muito mais sofisticado, algo que já fora motivo de exploração visual-conceptual no ousado decalque hitchcockiano. Como vemos na fala recortada abaixo, a certa altura, parece que "Finding Forrester" ganha um sentido curioso na obra de Van Sant: o escritor isolado do mundo William Forrester (Sean Connery) aprecia o virtuosismo literário de Jamal Wallace (Rud Brown), um jovem negro do Bronx que não é só bom a pôr a bola no cesto. Ele diz-lhe algo que abrirá o plot do filme: até onde pode ir a aprendizagem do aluno face ao seu mestre? Se nos abstrairmos de toda a ganga sentimentalóide e simplista de "Finding Forrester" - e a cabotinice dos actores -, parece que, neste instante, Van Sant se entretém a "desconstruir" o "Psycho", o seu "Psycho" por contraposião ao "Psycho" do "grande mestre". Dito de outra maneira: nesta passagem, William Forrester parece ter como um grande feito literário aquilo que considera ser um "bom remake". É Van Sant a advogar em sua defesa, sem sair de um cinema onde a força do "sentimento de pertença" é variável.

William Forrester: You've taken something which is mine and made it yours. That's quite an accomplishment!
Jamal Wallace: Thank you.
William Forrester: The title is still mine, isn't it?
Jamal Wallace: I guess.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Is holy holy?

(Clique aqui e, se tiver pressa, veja ou reveja a partir dos 20 minutos e 12 segundos)

"Pull My Daisy" (1959) de Robert Frank e Alfred Leslie

(Veja sequência clicando na imagem)

"Howl" (2010) de Rob Epstein e Jeffrey Friedman

Atenção: a ordem cronológica desta "homenagem" é obviamente inversa, isto é, a leitura de "O Uivo" por Allen Ginsberg dá-se antes de Kerouac ter (alegadamente) improvisado a narração de "Pull My Daisy". É um tributo de Kerouac - dobrando o próprio Ginsberg... - ao homem que libertou esse grito que foi a beat generation.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Bolo de anos (XII): Marker

Visconti está para...

como Chris Marker está para


("Que bolo delicioso! Desculpem, mas tenho de repetir!", exclamou Agnès Varda, convidada de honra da festa.)

Deus ex machina III: Ela olha




A bailarina da Opéra, em "La dance", e Monica Vitti em "L'avventura" olham para lá da moldura - e nós nas suas costas interrogamo-nos para onde, para o quê, por quê? É a paisagem que as faz "esquecer" a câmara, é alguém que as chama do outro lado, acenando da rua? São elas que se precipitam para o exterior como o cineasta-voyeur é comandado pelos impulsos irresistíveis do seu olho irrequieto? Ninguém sabe, mas, por uma vez, é Ela que olha, talvez mesmo antes de ser olhada.

Restless (2011) de Gus Van Sant


Um filme pequeno, frágil e belo merecia uma crítica feita à sua imagem, uma crítica que não procurasse ocupar o lugar que este último filme de Van Sant reserva no nosso coração, mas que apenas restitua, nem que por instantes, um pouco do calor triste que dele emana e que nos aquece bem para lá da sessão.

"Restless" é um filme suave, rumorejante, sobre o fim da vida e o que para lá dela poderá resistir - uma hipótese se ensaia: o amor, talvez. É ele que leva um kamikaze a assombrar amigavelmente o protagonista: Hiroshi - como se vê no fim - quer ganhar a confiança do amigo americano para lhe passar uma carta de amor à mulher a quem ele não confiou as suas emoções mais profundas, porque queria levá-las consigo para o outro lado. Na cabeça de Hiroshu parece que é essa carta que serve de pre-texto à amizade além-vida com Enoch, jovem atormentado que procura aprender, cada dia que passa, na sua solidão não-solitária, como lidar com o desaparecimento traumático dos seus pais num desastre de viação.

O rapaz é atraído pela morte - ou será antes o contrário? Quando descobre a bela Annie, o amor entra na sua vida num movimento que volta a rasar a morte, porque a rapariga tem apenas três meses de vida pela frente - e o tempo de morte que lhe falta? Não será Annie como o tal passarinho que canta, em espanto, com o nascer do sol, o facto de estar vivo? Annie aparece na vida de Enoch - está nela - como o soldado japonês - duas existências no limite da fronteira que separa os vivos dos mortos.

Ou Enoch é o rapaz com menos sorte no mundo ou é um grande charlatão, dizem-lhe a certa altura no filme. Rodeado pela morte, pelo desaparecimento de quem mais precisa, Enoch é o "fantasma do meio" neste filme de Van Sant: ele realiza uma existência - a de Hiroshi - e desrealiza outra - a de Annie, um anjo que caminha, leve, sereno e já radiante, em direcção à luz... uma luz que resiste à morte, como vemos nas muito comoventes imagens finais... o mais belo discurso fúnebre - um dos mais belos discursos de amor, leia-se - que vi em cinema. Um discurso, aliás, sem palavras; só de imagens que se projectam a partir do rosto do protagonista, flashes de memória, profundamente atemporais (como todo o filme, aliás...), que vão preenchendo o vazio aberto pelo seu rosto silencioso, que culmina num "sorriso para dentro". A solidão de Enoch, perturbada no início, está agora em paz consigo mesma. O luto por quem está vivo - é esse o mood inicial do filme - parece terminar aqui - mas não há, desenganem-se os mais distraídos, qualquer cedência ao típico falso-happy ending indie...

Na realidade, o filme de Van Sant, como todos os seus grandes filmes, não cede nem um milímetro à "gramática feita". Com efeito, até o que, no papel, se diria ser um cliché aparece no seu cinema como coisa refrescante, porque rapidamente se dilui numa estética que não está por um segundo preocupada com quaisquer classificações prévias, qualquer "mui americano" esforço de etiquetagem que possa, aqui e ali, reger o cinema na sua produção de imagens - a estética da Van Sant só é sensível, poderosamente sensível, aliás, às personagens e à sua situação.

Por tudo isto, "Restless" é um filme de uma fragilidade comovente, construído na simplicidade da sua história, sóbrio conto sentimental, mergulhado numa melancolia outonal transmitida pela imagem com grão e cores acinzentadas de Harris Savides e a banda sonora omnipresente, como um quase totalmente sumido palimpsesto pop (Bon Iver, Sufjan Stevens, Nico...) que vai pontuando o mood das personagens, elas que são interpretadas com a mesma discrição que caracteriza a estrutura narrativa do filme. De facto, pessoas e câmara/montagem estão aqui em sintonia perfeita - e raras vezes vi algo assim - na criação de uma atmosfera, não, melhor: de uma estética da solidão e da ternura. Sopro entre a vida e a morte que aquece o coração humanamente dolorido. Pequena canção caída como uma folha de Outono.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

sábado, 19 de novembro de 2011

O devir-fantasma em cada leito

"Zerkalo"/"O Espelho" (1975) de Andrei Tarkovski

"O Estranho Caso de Angélica" (2010) de Manoel de Oliveira


(Dois filmes, como dois universos, tão distantes entre si, mas nos quais duas imagens quase se tocam entre si, na perfeição.)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A fixidez do olhar fotográfico (spectrum)

Manoel de Oliveira, "O Estranho Caso de Angélica" (2010)


A morte esteve sempre mais ou menos presente na história da fotografia. Fotografar as pessoas no seu leito de morte era um dos vectores da actividade profissional dos fotógrafos no século XIX, que investiam bastante da sua máquina publicitária na matéria. (...) Embora à medida que avançamos para o final do século XIX se note a resistência de certos fotógrafos neste género, nas décadas de 60 e 70 essa era uma prática relativamente consensual e interiorizada, não constituindo nada de macabro. Num dos números de um jornal de referência, um fotógrafo publica os seus conselhos para a realização de fotografias post-mortem em termos que seriam hoje simplesmente inaceitáveis:

Coloque a sua câmara em frente do corpo [...] prepare a placa, e aí vem a coisa mais difícil: abrir-lhe os olhos. Isto resolve-se facilmente usando uma colher de chá. Puxe as pálpebras inferiores para baixo, mas as superiores têm de ser bastante afastadas para dar um ar natural. Vire o olho para o seu local normal e terá o rosto tão natural como em vida. Uma maquilhagem adequada tirar-lhe-á a expressão lívida e a fixidez dos olhos.

Margarida Medeiros, Fotografia e Verdade: uma história de fantasmas, Assírio & Alvim, 2011, pp. 18-19


Nadar, explicando a Teoria dos Espectros, escreve:

Ora, segundo Balzac, cada corpo na natureza se compõe de séries de espectros em camadas infinitamente superpostas, laminadas em películas infinitesimais em cada um dos sentidos em que a ótica percebe este corpo.
Como o homem jamais pode criar - ou seja, constituir algo sólido a partir de uma aparição, do impalpável, ou do nada fazer uma coisa -, cada operação daguerreana vinha então surpreender, destacar e reter ao aplicar-se uma das camadas do corpo visado. De onde se conclui que o dito corpo, a cada nova operação, sofre a perda evidente de um espectro, ou seja, uma parte de sua essência constitutiva. (p. 6)

Rosalind Krauss, O fotográfico (1990), GG*, 2010, p. 24


* - Alerto para a péssima tradução em português da Gustavo Gili. Se estiver interessado, pode encontrar o mesmo livro decentemente escrito no mercado inglês ou francês.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Petição Cinema na RTP2 na Comissão para a Ética...: impressões

Já está. Fomos ouvidos na Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação. Expus, em linhas gerais, as principais impressões que retivemos desta experiência que já dura há mais de um ano. O texto que publico abaixo, preparado por mim e pelo Ricardo Lisboa, foi lido, em pedaços, à medida que os deputados iam entrando e resume, no fundo, o sentido geral da nossa intervenção neste encontro na Casa da Democracia.

Se me perguntassem qual a sensação que perdurou, após as intervenções dos deputados, nomeadamente, das Senhoras Deputadas Nilza Sena Santos e Inês de Medeiros, responder-vos-ia em duas partes.

Primeiro dir-vos-ia que ficou claro que estamos todos de acordo (aliás, tanto Nilza Sena, do PSD, como Inês de Medeiros, do PS, subscreveram a nossa petição, o que só demonstra o óbvio de tudo isto). A RTP2 não cumpre as suas obrigações no que a uma programação cultural (de cinema) de "serviço público" diz respeito.

Por outro lado, registamos com algum desalento um pouco aquilo que já tínhamos sentido após a audição parlamentar com o Partido Socialista, realizada por iniciativa da Deputada Inês de Medeiros: apesar de concordarem connosco, os nossos deputados não parecem dispostos (ou dizem-se impotentes) a ultrapassar algumas ideias, a nosso ver, falaciosas em torno dos limites que se impõem à liberdade editorial/programática na televisão pública. Porque, a nosso ver, para haver programação de qualidade, a RTP2 tem de operar mudanças, algumas delas, como se tem visto, face à resistência (teimosia...) demonstrada, muito difíceis (vai-se lá saber por quê...) de tomar pela actual direcção (que não mudou uma vírgula na sua programação desde que esta causa começou, isto é, 3000 assinaturas, três sessões parlamentares, um requerimento parlamentar da Deputada Catarina Martins, vários artigos, podcasts e uma conferência depois).

Todavia, para que a RTP2 opere essas mudanças, a força da sociedade civil não é suficiente. Digo-vos rápido e depressa isto: a RTP2 não quer ouvir o seu público. Para isso pensávamos que havia, pelo menos, a ERC - que basicamente não existiu ao longo de todo este processo - e, em última instância, a Assembleia da República (AR). Aí, confesso, pensei que íamos ganhar outro tipo de embalo, mas isso parece não estar a acontecer. A AR responde com obstáculos e muitos paninhos quentes face a um caso flagrante (estamos todos de acordo aqui) de incumprimento do Contrato de Concessão de Serviço Público e ao alheamento da estação pública RTP2 e ERC em relação aos cidadãos-contribuintes que exigem uma programação de cinema de qualidade.

Qualidade. O que é isso? Um conceito excessivamente subjectivo que torna inviável qualquer tipo de intervenção por parte da Assembleia, porque significa "ingerência" nas decisões programáticas da direcção do canal. Para nós, qualidade é um conceito que está na Lei da Televisão e no Contrato de Concessão, que é objectivável como tal: está escrito que a RTP2 tem de prezar os seus conteúdos, porque só assim se tem uma televisão pública respeitadora do seu público; mais ainda, "formadora" de um público. Ora, há perto de 3000 pessoas que afirmam que essa qualidade efectivamente não existe. Cá está, a nosso ver, algo tão subjectivo e tão objectivo quanto o ser proibido passar-se "filmes de teor pornográfico" nos canais de sinal aberto; tão subjectivo e tão objectivo quanto o não se poder fazer propaganda de extrema direita através de quaisquer meios do Estado - e não só -; tão subjectivo e objectivo como a ausência da publicidade comercial na RTP2. Tão subjectivo e objectivo quanto a Lei, qualquer Lei, o é, apetece dizer, inevitavelmente.

Mas, afinal, o que é "teor pornográfico"? Afinal, o que é "extrema direita"? Afinal, o que é "publicidade comercial"? Cá para mim, é tão subjectivo quanto "uma programação de cinema de qualidade"; é talvez "menos subjectivo" - eufemismo para "arbitrário", para os lados da Assembleia - do que aquilo que parte substancial, e por sinal, bastante informada da sociedade civil reclama como uma programação de cinema de qualidade, do que parte substancial da sociedade civil defende ser um atentado ao contrato que uma empresa pública assinou com o Estado. Mas "corrigir" o incumpridor é ingerir no seu espaço de liberdade? Bem, "ingerir" é o que cabe ao Estado fazer quando este é directamente lesado por alguém, no caso, alguém que dele depende por inteiro.

Ingerir no espaço de liberdade do incumpridor não é um atentado ao Estado de Direito. Pelo contrário: é uma intervenção necessária à manutenção do Estado de Direito. Para o caso, é uma intervenção necessária à restauração da transparência da instituição pública, do Estado, que é a RTP2. Mas todas estas ideias, que à partida não ofereceriam grande discussão, parecem estar a "bloquear" politicamente qualquer acção mais visível por parte da Assembleia sobre esta causa que temos, de facto, como "civilizacional".

De qualquer modo, esperamos ainda que a Comissão para a Ética... procure ter um papel actuante até ao final deste processo. É isso, enfim, que todos nós esperamos dos nossos representantes: soluções e não obstáculos. Vamos ter fé...

Audição Parlamentar: Petição Cinema na RTP2 na Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

CINEdrio nomeado para Melhor Artigo nos prémios TCN Blog Awards 2011


O artigo "Petição Cinema na RTP2: Balanço Final", escrito por mim, neste espaço, no dia 9 de Julho, foi nomeado para melhor artigo da blogosfera cinéfila 2011 pelo júri dos prémios TCN, atribuídos anualmente a partir do blogue Cinema Notebook, do Miguel Reis - a quem agradeço obviamente a atenção. Esta nomeação não diz respeito apenas ao blogue CINEdrio; na realidade, premeia uma causa que tem amanhã um dia importante e que, contrariando muitos vaticínios, não terá uma morte fácil.

Peço que votem neste artigo (escolhendo o seu título na sondagem postada no dito blogue, por exemplo, a partir de aqui), isto se acreditam na causa "Cinema na RTP2" e se defendem - como nós - um serviço público como manda a Lei: de qualidade, isto é, pensado para a formação de um público e não para a sua deformação em "audiência".

domingo, 13 de novembro de 2011

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Newsletter #9: Oliveira

No dia 11 de Dezembro o cineasta português Manoel de Oliveira faz 103 anos. Entre as várias curiosidades por repetidas vezes elencadas nos media, nomeadamente, na blogosfera, destaco o facto de Oliveira estar, neste momento, a preparar dois filmes, que deverão estrear em 2012. Quase ao mesmo tempo, saem em DVD vários filmes de Oliveira que claramente faltavam no nosso mercado - e ainda continuam a falar algumas das suas obras-primas mais aclamadas, como "Acto da Primavera" (para quando?!).

Na nossa newsletter, Manoel de Oliveira será o herói de Dezembro. Estaremos de olho em todas as publicações que se relacionem directa ou indirectamente com o realizador de "Aniki Bóbó".

Mais novidades, no campo literário e ensaístico: o último livro de Agamben; descobertas de preciosidades sobre Sebald; lançamento recente no mercado americano de uma obra de Georges Bataille; uma obra que cruza filosofia e o cinema avant-garde norte-americano com a assinatura de P. Adams Sitney; a única obra publicada no mercado anglo-saxónico sobre o cinema de James Benning e muito, muito mais...

No campo das novidades home cinema, mencionaremos, entre outros objectos: Zizek e o seu guia do cinema, finalmente, em Portugal; um dos maiores "clássicos" de Straub & Huillet chega ao mercado americano; Lionel Rogosin e o seu brilhante "On the Bowery" sai em Blu-ray nos States; vários cineastas, como Mekas e Akerman, são postos "em correspondência" numa caixa arrojada da )intermedio(; Fulci e a sua trilogia "Gates of Hell" lançada em Blu-ray e muito mais...

O entrevistado deste número será o dramaturgo, actor, realizador, argumentista, professor Paulo Filipe Monteiro. O que querem mais?

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

The Birthday Party (1968) de William Friedkin

Para se perceber, de facto, a mais recente "face" de Friedkin, é preciso recuar até à sua segunda longa-metragem, filme que resulta de uma colaboração estreita com o dramaturgo, prémio Nóbel, Harold Pinter. O Lisbon and Estoril Film Festival deu-nos esta prenda, escondida numa programação de luxo, que só podemos agradecer: um incrível raccord que liga 1968 a 2011, mais concretamente, "The Birthday Party" a "Killer Joe".

As semelhanças são extraordinárias: desde logo, são filmes espacialmente concentrados numa "casa familiar"; histórias de vários pequenos enigmas discursivos propiciados por personagens "típicas" ante a ameaça de alguém que vem de fora, alguém que "pensa" e "age" de outro modo; ajustes de contas entre o visitado e o visitante que condiciona cada respiração, em esforço e sufoco desde o início, debaixo do tecto familiar; enfim, dois filmes teatralizados baseados num jogo de palavras - e aparências - que, até ao fim, recusa qualquer moralismo linear. No caso de "Killer Joe" temos um trabalho de polimento dramático levado ao limite, correndo o risco de se oferecer como "estilo puro", como forma plana, sem saliências ou manchas, de tão limada está pela câmara e a caneta dos seus autores.

Temos também aqui, mas também em "The Birthday Party" - e essa é uma das grandes revelações neste double bill! -, uma série de diálogos ritmadamente burilados, verborreia por vezes que se auto-afirma como "gatafunho dramaticamente inútil", mas "ritmadamente" necessário. Exemplos? Bem, em "Killer Joe", por mais do que uma vez, as personagens dizem palavras ou frases saídas do contexto, como quem regurgita o verbo para não descompensar a mancha de texto. Dottie diz "babies", quando está semi-nua, nas costas de Joe. A montagem de "Killer Joe" responde com uma sintaxe semelhante - já acontecia isso em "Bug". Vemos flashes de trovões ou outras imagens dramaticamente "deslocadas", mas que, in toto, equilibram formalmente a obra. O que é que isto tem a ver com "The Birthday Party"? Neste filme, no final, face à indefinição do plot, as palavras - e as personagens que as dizem - começam a existir não apesar de mas precisamente para pontuar a superfície estilística do filme - sentimos a escrita de Pinter como "jogo" de associação de ideias, mas sobretudo, de associação de palavras foneticamente articuladas, mas semântica e dramaticamente "deslocadas".

Os dois "homens misteriosos" questionam a personagem paranóica de Robert Shaw em jeito de "pingue-pongue" linguístico que, em determinado momento, faz com que o diálogo (ou monólogo ou coreografia verborreica) se esvazie completamente de qualquer sentido. O significado deixa de ser resgatável pelo espectador, que, assim, mergulha num universo kafkiano onde as expectativas não batem com códigos que julgamos familiares. Este "estranhamento", esta "teatralização", é o que o brilhante filme de Friedkin/Pinter mais relevantemente traz a uma releitura de "Killer Joe". Releitura de toda uma obra - algo que só os grandes filmes conseguem motivar.

Bolo de anos (VIII): Dardenne

Visconti está para...

como os irmãos Dardenne estão para

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Bolo de anos (V): Malick

Visconti está para...

como Malick está para


(Festa muito solene e ritualizada, onde Tarkovski foi o único que não ficou satisfeito com apenas uma fatia e pediu para repetir.)

Mentes perigosas

"The Fury" (1978) de Brian De Palma

"Scanners" (1981) de David Cronenberg

Bolo de anos (IV): Costa

Visconti está para...

como Pedro Costa está para


Bolo de anos (III): Chaplin

Visconti está para...

como Chaplin está para

Bolo de anos (II): Ozu

Visconti está para...

como Ozu está para
~

Bolo de anos (I): Visconti

No dia 2 de Novembro, se estivesse vivo - o que já seria difícil, convenhamos... -, Luchino Visconti faria 105 anos. Para celebrar a ocasião, a Criterion Collection, na sua página do Facebook, escreveu o seguinte: "Happy birthday to Italian master, Luchino Visconti. One can only imagine how lavish his birthday cake might have been."

Claro que este comentário despertou em mim mais uma série de pansignificações possíveis em torno dos bolos de anos de alguns realizadores.

Comecemos pelo que podia ser o tal "bolo extravagante" de Visconti, no dia 2 de Novembro.


(Na festa, Max Ophuls seria, obviamente, o único a pedir para repetir...)

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A Petição Cinema na RTP2 na Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação

Still de "Mr. Smith Goes to Washington" (1939) de Frank Capra

Dia 17 de Novembro (quinta), às 14h, eu, Luís Mendonça, e o meu colega Ricardo Lisboa vamos à Assembleia da República para sermos ouvidos numa audição Parlamentar no âmbito da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação. Fazemo-lo em nome dos 2962 cidadãos que subscreveram a nossa petição.

Alguma inquietação que achem que devemos transmitir, têm este espaço para transmiti-la.

Twenty Cigarettes (2011) de James Benning


Sobre este extrarordinário filme de Benning, que estreou no último DocLisboa, o meu amigo e colega Carlos Natálio, no seu blogue Ordet, a certa altura escreveu algo que me chamou a atenção: Desta forma, não há absolutamente nada de metafísico nesta obra provindo de um cigarro, seu fumo, olhar para dentro, etc. A incrível fisicalidade do filme de Benning consiste sobretudo em pensar que a alternativa ao rosto, ou melhor, o rosto dos objectos (para manter a metáfora deleuziana) está na sua absoluta exterioridade.

Chamou-me a atenção o facto de, nesta passagem, ficar claro, para o Carlos, que "Twenty Cigarettes" é um filme sobre o "gesto de fumar" na sua palpabilidade. O cigarro em Benning seria assim profundamente físico, oferecendo ao espectador uma observação dos rostos e dos corpos nos seus movimentos, talvez, mais secretos. Chamou-me também a atenção o lado peremptório com que o Carlos escreveu que "não há absolutamente nada de nada de metafísico nesta obra provinda de um cigarro".

Não concordo com esta ideia, porque acho que o cigarro vai-se tornando "estrutural" na obra de Benning à medida que os diferentes quadros se sucedem, isto porque é ele, na duração do acto de o fumar, no seu comprimento, que dita o "sentimento" de cada plano, porque é dele ou à volta dele que nascem os movimentos e as expressões de rosto de que fala o Carlos. Ao segundo ou terceiro cigarros o espectador tem de ir além da fisicalidade do que lhe é oferecido, porque, mais cigarro ou menos cigarro, deixará de se poder alhear da essência estrutural desse objecto tão comum, mas aqui tão fulcral.

O cigarro é metafísico, a meu ver, no sentido em que nos abre o filme para algo que transcende largamente um "estudo sobre rostos e gestos" ou um "registo antropológico dos modos contemporâneos de fumar". Desde logo, é metafísico "dentro do filme": um filme onde se mede a duração de cada plano pelo tempo que cada um dos protagonistas "leva" a fumar um cigarro é uma obra estruturada de dentro para fora, sendo que o que está entre ele e o fumador é esse dispositivo longilíneo que, até ao filtro (uma meta), vai marcando uma direcção, um caminho... (que se percorre a diferentes velocidades), no sentido da sua (nossa?) finitude.

Neste aspecto, agora saltando fora deste filme em concreto - o que só sublinha a componente metafísica deste filme -, "Twenty Cigarettes" é diferente dos lagos ou céus de Benning, porque nestes a finitude não é visível senão no gesto - todo ele apenas do realizador - de cortar e passar a um novo plano. Aqui, são-nos dados a ver os limites temporais de cada quadro - tamanho do cigarro - e rapidamente nos apercebemos que o seu esgotamento está nas mãos do objecto filmado - o fumador que pode ser mais ou menos ávido, mais ou menos contemplativo... Ele, o fumador, fuma o filme verdadeiramente. O cigarro é a sua "máquina" de projecção. O cigarro é a película que queima, o cigarro é analógico... a câmara, essa, filma em digital aqui - 0s e 1s, que marcam, a contra-ciclo, uma reversibilidade na imagem, mas um cigarro não se presta a isso, porque, enfim, é sempre um cigarro e nada mais (apagá-lo ou manipulá-lo desfiguraria o sentido de tudo na imagem, como o têm mostrado bem as censuras anti-tabágicas a imagens icónicas de, por exemplo, Alain Delon).

"Twenty Cigarettes"

"Ruhr" (2009)

"Ten Skies" (2004)

O cigarro é metafísico também no sentido em que, e continuando, nos remete para os grandes temas do cinema de Benning - cinema esse que é, concordará o Carlos, tudo menos um cinema que se fica no terreno e no mais corpóreo. Benning tem um fascínio claro pelas formas gasosas, bem evidente em filmes como "Ruhr" (veja-se o último longuíssimo plano da chaminé a "exalar" o fumo fabril que ganha formas irregulares misterioríssimas...) ou em "Ten Skies" (as nuvens são quase como fumo industrial divino). O cigarro tem esta potência: produz fumo como Deus produz nuvens e a fábrica liberta o fumo denso e tóxico. O que acho, sinceramente, que Benning faz é pôr a chaminé entre os lábios de vinte indivíduos para ver o que eles, numa posição de completa autoridade sobre os tempos de cada plano - isto é o próprio que conta, por exemplo, aqui -, produzem; ou melhor, "para ver" que FORMAS eles produzem com um cigarro entre os dedos. Não obrigatoriamente só fumo, mas também fumo - veja-se o cigarro da jovem, de onde saem pequenas e grandes balões fumarentos que me remetem, de imediato, para algo bem mais longínquo que o seu "corpo a fumar".

O cigarro mais incrível de todos, a meu ver, é aquele que coloco aqui na primeira imagem. Uma mulher de uma beleza natural desarmante, de uma dignidade inata, que lhe parece estar na pele - mesmo sem maquilhagem e um vestido elegante -, fuma contra uma paisagem de céu e nuvens. A forma como ela se move no quadro é a afirmação de uma autoridade que ela, enquanto objecto, tem sobre o realizador, e que, a meu ver, não pode ser posta de lado numa análise ao filme. É incrível o instante em que ela se põe de perfil, "jogando" precisamente com esse poder que Benning, ou melhor, que o cigarro lhe confere. Também é incrível que, a certa altura, ela se vire de costas para a câmara, de frente para o céus e as nuvens, transcendendo assim a mundana fórmula do "corpo a fumar um cigarro". Esta senhora tem, a meu ver, alma de cineasta, na medida em que percebeu que Benning não quer captar só o seu "corpo a fumar", ele quer captar também (ou sobretudo) as formas que o seu corpo, naquele meio, produz em resultado do contacto com o cigarro, objecto que grita uma finitude, uma irreversibilidade que, para além de metafísica, é profundamente analógica.

domingo, 6 de novembro de 2011

Killer Joe (2011) de William Friedkin


"Killer Joe" é Friedkin a, por um lado, levar mais longe certos aspectos do seu filme anterior, "Bug", e, ao mesmo tempo, a resistir a outros aspectos do mesmo filme, que se produziam, sobretudo, nas entrelinhas. A literalidade de tudo em "Killer Joe" é a primeira coisa que pode chocar o seu público, como terá chocado parte da imprensa e, seguramente, parte do júri do último Festival de Veneza; é também ela que pode fascinar quem, por exemplo, pediu a plenos pulmões o Leão para Friedkin - e não foram poucos.

De qualquer modo, "Killer Joe", como digo, intensifica o dispositivo teatral de "Bug" (os dois são originariamente "peças de teatro"), mas, ao mesmo tempo, livra-se do discurso politizado sobre os media e a sociedade (o securitarismo pós-11 de Setembro). Claro que poder-me-ão dizer que "Killer Joe" é o retrato de uma certa América, uma América que já conhecemos em filmes dos Coen ou de Tarantino, certo, mas aqui há um dispositivo que abstractiza mais do que solidifica esse retrato. "Killer Joe" existe para culminar na última enorme sequência, espacialmente concentrada na roulotte e que implode dramaticamente aí, à volta de uma mesa mal posta e uma refeição fast-food de KFC para toda a família classe média baixa texana se lambuzar depois da reza da praxe e os falsos discursos de "amor e solidariedade" para o mundo... O político não vai mais longe do que isto, neste último filme de Friedkin - algo que lamento, pelo menos, tendo em conta a fortíssima filiação formal e "contextual" que este filme partilha com "Bug", mas, de qualquer modo, em relação a este "sobrevive" o tal dispositivo, que nunca esteve tão bem oleado... como a "máquina de potência", leia-se, como a "máquina de in-potência" que é o protagonista que dá título ao filme.

Joe é 100% estilo, é 100% texano, mas um 100% tão preciso quanto a sua expressão numérica. Tudo nele - sobretudo, a sua patológica obsessão pela pequena Lolita do filme (Dottie) - é cronometrado, pensado ao milímetro, "protocolizado", ele é um detective e um assassino ao mesmo tempo, mas ele não é dois, não alimenta "vida dupla": ele é, de facto, um detective-assassino ou um assassino-detective (a ordem não interessa), alguém que auto-legitima a sua acção com toda a prática e retórica procedimentais, processuais/negociais, próprias de um burocrata do Estado. Ele age só em conformidade com o "acordado" e segundo as suas leis - não tão diferentes quanto isso, pensará ele, das leis do Estado.

Os gestos de Joe (mesmo quando reduzidos a zero) são pura coreografia maquinal, de "Estado", como se o detective se alimentasse do assassino e vice-versa. Ele produz a perfeita UNIDADE entre a lei e o fora-da-lei. Os mecanismos conceptuais protegem-no - a certa altura a pequena lolita diz "até dizem que a maior parte dos polícias não chega a usar, por uma vez que seja, a sua arma", ao que Joe replica "there is a lot of paper work to do". Joe di-lo, seguramente, por experiência própria, mas sem menosprezo heróico, texano, pelo "paper work" - bem pelo contrário! Joe sabe que o "paper work" é que faz a farda, à xerife lendário, que ele enverga (a burocracia é condição sine qua non para o seu "estilo"), Joe é um "proud detective" e, se virmos, se calhar, até tem "razões" muito objectivas para o ser.

Aqui está, enfim, a complexidade (política? Sem dúvida!) da personagem principal deste último filme de Friedkin, a complexidade decorrente do seu "robotismo administrativo" que choca com o desleixo da saloiada que decide contratá-lo para um trabalho sujo. Joe é impecável e todos os outros protagonistas do filme sabem que não o são, sabem que não podem nada contra ele. E é, a partir daqui, que a omnipotência de Joe se transforma num burlesco sobre a sua aparente "impotência sexual", encenado, numa farsa completamente over the top, excessiva e ultrajante, na sequência final, mas já prenunciado na cena de "strip tease ao contrário" depois do date na roulotte com a pequena, doce e ingénua, Lolita (pureza que não mancha o lado impecável de Joe).

Friedkin trabalha, pontualmente - leia-se, ponto a ponto -, para criar as condições necessárias para que Joe se vá revelando até à apoteose final, grotesca, epicamente grotesca. A cena da perninha frita de KFC como segundo falo de Joe lembra as taras sexuais de Frank Booth em "Blue Velvet": há uma impotência que é, enfim, uma in-potência - o sexo é impraticável, é demasiado sujo em si mesmo, demasiado terreno, para um homem-máquina como Joe, por isso, ele usa um strap-on de frango frito. Enfim, por alguma razão os olhos de Joe "magoam", como diz a pequena Dottie. De facto, o rosto de McConaughey (actor do ano) é liso, 100% inexpressivo, de impenetrável leitura. Dito de outro modo: em momento algum, sentimos que conseguimos antecipar o próximo gesto de Joe, apesar de este gesto, quando surge, aparecer como o mais exacto e racional possível no segundo a seguir. Ele age de acordo com o acordado, mas age completamente fora do esquema daquela família, fora do nosso esquema, fora do que a expressividade humana deixa (quase sempre) entrever.

Joe, que age em conformidade com um quadro de princípios e procedimentos, é uma potência que se gera por obrigação burocrática, uma potência que se gera na impotência - a sua impotência de ter "olhos de gente". Joe é que empresta ao filme a tal "literalidade" que mencionei no início deste comentário; é ele, com a sua psicose - potência impotente, ou impotência potente -, que cronometra cada partícula que cabe neste filme. Por isso, "Killer Joe" é cinema desafectado e desafectante; cinema frio (cool) ao qual respondemos com a única arma possível - a gargalhada provocada pelo mais grosseiro e imprevisível "humor negro" -; é coisa ultra-articulada nos pontos, ultra-desarticulada nas linhas que os ligam entre si, que termina chocantemente com o primeiro esboço de emoção: uma expressão - de contentamento, talvez - no rosto - outrora 100% liso, 100% não-humano - do detective-assassino que também é o mais cabrão dos assassinos-detectives.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Qualidade das edições de filmes (e livros) no mercado nacional

O nosso mercado de DVDs e livros sofre de um problema antigo: a pouca atenção que os diversos editores prestam ao objecto-livro ou ao objecto-filme, fazendo da sua apresentação uma etapa secundária ou terciária do processo de aproximação da obra ao leitor/espectador.

Nunca estivemos tão sós neste desleixo declarado no design de capas de livros e filmes: veja-se como os espanhóis, em poucos anos, passaram de uma estética "Praça de Espanha" para um tratamento cuidadoso, sofisticado nalguns casos, dos seus produtos culturais. Passamos os olhos pelos clássicos, editados há uns anos em Espanha, e vêmo-los hoje reeditados em caixas chamativas, que "brincam" com a imagética do próprio filme - há um lado "hermenêutico" no melhor dos trabalhos de design no mercado cultural, prova disso é, obviamente, a Criterion Collection.

Edição americana de "O Convento"


Não refiro aqui os franceses, que se calhar até mais no mercado livreiro que de filmes, têm dado lições de bom gosto aos parceiros europeus. Quanto aos americanos, dependendo das editoras - como digo, nada bate a Criterion, mas também a Olive Films (exemplo recente: "Aurora"), por exemplo, se destaca pela excelência no tratamento do "objecto-filme"... -, há muito design que sucumbe ao "chapa 7" da indústria, treslendo por completo os princípios estéticos da obra a vender - exemplo disso é a capa que a Lions Gate concebeu para o DVD de "O Convento" de Oliveira, assemelhando este a um "Talentoso Mr. Ripley" ou outro thriller qualquer vindo da indústria americana. De qualquer modo, regra geral, os filmes são condignamente tratados no mercado americano. Continuando a falar de Oliveira, há alguma queixa que se possa apontar à edição de "Singularidades..." ou, mais ainda, de "O Estranho Caso de Angélica" (este em Blu-Ray)?

"The Kremlin Letter" de John Huston

Edição portuguesa

Edição britânica

Mas, permitam-me, volto ao motivo deste post: e Portugal? Bem, regra geral o que se vê nas prateleiras de uma FNAC é um desfilar de estética Photoshop de segunda categoria ou impressões manhosas de stills colados - a cuspo - sobre as caixitas dos DVDs. Não há cuidado nenhum - muito menos, a tal "hermenêutica"... Exemplos? Bem, tenho de referir as horríveis capas que o cinema clássico, ou a maior parte do cinema clássico, merece no nosso mercado. Os filmes da Fox que foram postos à venda a 5 euros parecem coisas velhas que foram atiradas, com desprezo, para as prateleiras da FNAC na esperança de que algum desses "nerds do cinema" fizesse uma ou outra compra... Por exemplo, ao mesmo tempo que, no Reino Unido, foi lançado "The Kremlin Letter" de John Huston, em Portugal, a Fox disponibilizava o mesmo filme, mas com uma capa que ainda é mais repulsiva se comparada com a britânica (muito mais enquadrada com a estética do thriller político de espionagem, supostamente terreno por onde se move este filme de Huston - e, plasticamente, mil vezes mais interessante, mas isso parece-me que salta à vista).

"F for Fake" de Orson Welles

Edição americana


Edição britânica


Edição portuguesa

Para além da magreza de extras - mais um sinal de desleixo -, a maior parte das edições portuguesas tem disto: rivaliza com a Espanha de outros tempos pela capa mais horripilante, capa que desvaloriza imediatamente o filme que pretende vender. Outro exemplo, neste caso, é "F for Fake", último filme da carreira de Orson Welles, que mereceu uma das mais intensas redescobertas nos últimos anos. Saiu pela mão da Criterion numa edição belíssima e, depois, pela mão da Masters of Cinema. Comparem as capas destas edições com a edição portuguesa da autoria da FNAC/Costa do Castelo - esta última parece mais uma publicação de um fascículo dedicado a "grandes cineastas do nosso tempo" do que uma edição singular de uma obra... também ela singular e rara.


"Mistérios de Lisboa" de Raoul Ruiz

Edição portuguesa
Edição americana

Outro exemplo que, na realidade, motivou este post é a edição em Blu-ray de "Mistérios de Lisboa" cá versus a edição americana que já está em pré-venda na Amazon. A capa do filme de Ruiz, no mercado nacional, replica os floreados das novelas de Camilo Castelo Branco, mas não consegue captar minimamente a atmosfera e a estética do filme de Ruiz. Isso faz, a meu ver, lindamente, esta edição norte-americana. É sempre triste quando sentimos que um filme "nosso" merece um tratamento mais à altura dos seus pergaminhos "fora" do que em "casa". Curiosamente, aqui, passa-se uma inversão curiosa em relação ao que referi atrás no que diz relativamente à capa americana de "O Convento": a capa da obra-prima de Ruiz está mais "americanizada" na versão nacional do que na correspondente futura edição norte-americana, bem mais feliz a captar a ambiência formal (o mistério, vá!) de "Mistérios de Lisboa".

Edição Midas de "O Sangue"

Enfim, vários outros exemplos podiam ser dados da absoluta desvalorização a que se prestam os filmes, mesmo as grandes obras-primas, no nosso mercado. A excepção, que existe sempre para confirmar a regra, é a MIDAS Filmes, não todas as suas edições, mas, por exemplo, os DVDs de "O Sangue" e "Onde Jaz o Teu Sorriso?" são "pequenas obras-primas das obras-primas", que tornam o objecto-filme, por assim dizer, potencialmente competitivo mesmo no mercado internacional - por alguma razão têm legendas em inglês. O mesmo podia ser dito sobre a magnífica caixa integral João César Monteiro, mas tudo isto são excepções - no mercado livreiro haverá mais, por exemplo, Assírio & Alvim, Orfeu Negro e Livros Cotovia são raios de luz na generalizada falta de qualidade do design dos livros editados no nosso país. Não peço que copiemos a Criterion, mas, pelo menos, que possamos tratar condignamente a obra a publicar e, com isso, procurar trabalhar a, tantas vezes, primeira relação que esta estabelece com o espectador/leitor.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Vem aí o novo Friedkin, o bom velho Friedkin (V): estreia, dia, hora e local


"Killer Joe" vai estrear em Portugal no Lisbon & Estoril Film Festival. Já o tínhamos anunciado aqui, mas agora deixamos informações mais concretas sobre horários e local de exibição.

No Centro de Congressos do Estoril, o mais recente filme de Friedkin será mostrado duas vezes no dia 4 de Novembro (sexta): primeiro, às 21h e, depois, às 23h30 repete.

A não perder.

A pele da cidade (tatuagens a giz)

"In the Street" (1938-1948) de Helen Levitt

"Lovers and Lollipops" (1956) de Morris Engel & Ruth Orkin

(A razão para a minha ausência nestes dias está, em parte, aqui... como acolá)

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