domingo, 29 de abril de 2012
Bestiaire (2012) de Denis Côté
Saí do cinema e, com uma amiga, comentava: este filme, mesmo sendo, no papel, "apenas" uma colecção de interessantes quadros do cativeiro animal, pela ironia que empresta a cada imagem, será porventura mais exactamente resumido como um "Walt Disney sem animismo". Por um lado, temos aqui um filme reduzido ao gesto minimal de apontar uma câmara para aquela avestruz, para aquele rinoceronte ou para aquela zebra.... Por outro lado, "Bestiaire", pelos ângulos inusitados (e irónicos) de filmagem que explora, parece querer ser menos uma viagem a uma reserva animal e mais um comentário, cheio de sentido de humor, à expressividade humana dos animais versus a actividade absurda dos homens (leia-se, a sua bestialidade inata).
Com a câmara sempre do lado (do) animal, Côté ensaia a bem esgalhada hipótese de um "James Benning goes to the zoo": a cena das filas de carros à porta da reserva, com as zebras em contramão, alinha, maravilhosamente, com uma fina desconstrução do absurdo da sociedade humana, que não é, de modo algum, estranha ao universo desse cineasta norte-americano. Entre nós, o bicho homem gosta de fotografar os bichos das outras espécies, fá-lo aliás como passatempo, agora que já não precisa deles para sobreviver. Também anda em cima deles e faz-lhes festas ou ri-se da sua falta de maneiras. Gosta ainda de decorar a sua habitação com partes ou corpos inteiros desses seres. Trata deles para contemplação, diversão e decoração.
A reserva que Côté filma contém em si toda esta economia, mas, no filme, os animais pastam, andam de um lado para o outro, sempre indiferentes a este absurdo humano. Neles, ainda assim, somos tentados a descobrir um reflexo dessa bestialidade: estamos sempre prontos a encontrar nesta pose, naquele andar, naquele olhar, traços do tal bicho homem, exactamente, o homem que fica absorto com o mundo animal. Quadros que nos fazem perguntar a nós mesmos qualquer coisa como: "o que diria o homem de neandertal disto tudo?" Ao que Côté nos responde: "talvez que o sapiens sapiens está louco e não sabe o que faz".
(Este filme foi mostrado hoje no IndieLisboa. Será reexibido no dia 2 de Maio, às 16h30, na sala 2 do Cinema Londres. Vale bem o bilhete.)
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