quinta-feira, 12 de julho de 2012
Moonrise Kingdom (2012) de Wes Anderson
Parece-me óbvio que a animação foi a matéria ideal para Wes Anderson se recriar e para se recrear finalmente liberto da ameaça de cristalização de um estilo que começava a entrar em circuito viciado, nas suas neuras e depressões coloridas, com "The Darjeeling Limited". A sua mise en scène (que permanece) meticulosa mostra-se em longos tracking shots que deslizam sobre cenários em jeito de "casa de bonecas" ou traduz-se em planos que "emolduram" a imagem dos brinquedos favoritos das personagens, uns mais "mágicos" do que outros, objectos que quase sempre nos dizem mais do que aquilo que fazem. Aqui, finalmente, temos mais crianças e já menos "disfarces de criança psico-analisados", a tal "dor de crescer" que Wes Anderson tinha levado à exaustão no seu último filme "de carne e osso".
Antes, de facto, os adultos vestiam máscaras infantis, agora, sem que os adultos tenham sido "desmascarados" - e a fatiota ridícula de escuteiro assenta bem a um delirante Edward Norton -, as crianças mascaram-se... e, muito literalmente, no teatro do filme (tautologia curiosa: um teatro num filme que é todo ele expoente de mise en scène!), usam fantasias de animais, familiares distantes dos que "animavam" a obra-prima "Fantastic Mr. Fox", o que interpreto como assunção clara de que a experiência da animação é a nova bússola estilística e conceptual do cinema de Anderson. Um bem-haja a ele por isso!
Trata-se, portanto, de um carnaval controlado e renovado na sua "graça", não (ainda não? Jamais!) aquela para rir à gargalhada, mas aquele riso para dentro que se aprecia como um rebuçado de morango. E quando digo "rebuçado de morango" digo pequeno berlinde comestível, redondo, colorido e luzidio, porque, como sabemos, as crianças também comem com os olhos. Já não há disfarces de adulto que agora escondam a origem do fascínio de e por Wes Anderson: as crianças são crianças e os adultos são adultos ou, se preferirem, as crianças agem como adultos e os adultos um pouco como crianças (vide "a birra" de Bill Murray ou o romance "às escondidas" de Frances McDormand com Bruce Willis). De qualquer das maneiras, começamos sempre por dizer "de um lado, as crianças(-adultos) e, do outro, os adultos(-crianças)", variação significativa sobre a fórmula, explorada em "Royal Tenenbaums", das crianças "em comunhão" com e equivalendo-se aos adultos. Nunca, num filme de Anderson, os mais pequenos foram um problema tão grande para os maiores.
Como reza o tema de Françoise Hardy, este é um simples filme de namoro e aventuras, com duas histórias de "disfuncionalidade familiar" em pano de fundo, contra a qual duas crianças, sublinho, enamoradas e aventureiras, se decidem rebelar. A menina, com a sua mala cheia de livros infantis, parte de mãos dadas com o menino, que leva consigo um verdadeiro kit de sobrevivência para noites passadas ao relento na floresta e na praia. Ele vira-se para ela e diz: "o que trazes aí nessa mala? Posso fazer um inventário?". Ela responde que sim, o que é motivo de regozijo menos para o rapaz do que, imaginamos, para o próprio Wes Anderson, cineasta amante da "arrumação" e "classificação, em cada quadro, dos objectos, das pessoas ou dos bonecos que fazem, ou melhor, que são os seus filmes. Não nos custa imaginar uma mala azul claro que Anderson carrega sempre consigo, em todas as suas viagens, e na qual transporta, no devido lugar, bem limpinhos e aprumadinhos, os títulos que compõem a sua cada vez mais perfeita filmo-grafia.
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