sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Insidious (2010) de James Wan


Acho que sim. Acho que James Wan tem tanta razão quanto tem David Lynch ou Apichatpong Weerasethakul ou M. Night Shyamalan. É tempo de voltar à bonecada, às sobreimpressões dos castelos assombrados de Méliès, aos "falsos raccords" que nos fazem ter "visões" nos rituais satânicos de Segundo de Chomont, às sobreimpressões "gasosas" de Sjostrom, até mesmo, apetece dizer, às decapitações, hoje denunciadamente fake, de Edison. Ou, se preferirem, é tempo de voltar atrás, muito muito atrás, ao cinema primitivo, ao pré-cinema, ao cinema que ainda não era cinema, ao cinema que era fantasma do cinema. E ponto final.

Todos estes cineastas têm recorrido, com espírito de artesão e de reciclador, aos truques do cinema primitivo do virar-do-século, das ilusões fantasmáticas do psiquismo, do mediunismo, do espiritismo, etc..., seja explorando a mitologia budista das florestas (Apichatpong), seja fazendo do digital óptima oportunidade para repôr o primitivo no centro do moderno (por exemplo, "INLAND EMPIRE" de Lynch), seja tirando os fatos do armário para "dar corpo" aos aliens de "Signs" ou à criatura arbórea de "The Village" ( filmes artesanais de Shyamalan), seja, indo ao que nos interessa, espantando espíritos do além que se materializam à nossa frente, entre campos.

É isso que faz brilhantemente James Wan neste "Insidious", pelo menos, até tornar a história excessivamente "auto-explicativa" e se deixar preocupar demasiado com o fio narrativo, uma "busca por uma coerência" que é completamente desnecessária, na medida em que este era um filme até então alimentado quase em exclusivo por um medo elementar pela coisa aparecida, coisa lendária que se presentifica, num ápice, entre o rosto de uma personagem e a reacção da outra. Um papão, que, como o papão, não precisa de grandes contextualizações narrativas.

A chegada do homem-macaco da floresta, espírito do além, em "Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives" de Apichatpong é um belo exemplo de como este "horror primordial" não precisa de se sustentar em ligações narrativas puras e duras, como aquelas que "colam as peças todas" nos últimos minutos deste filme de Wan. De qualquer modo, apetece dizer que este cineasta, que se deu a conhecer ao mundo com "Saw" e que, com isso, fez muito dinheiro, mas ganhou uma etiqueta estigmatizante para a vida... digo, apetece dizer que com "Insidious" Wan livra-se já de algum do excesso estílistico dos seus filmes anteriores, bem como das tais amarras narrativizantes que, ainda assim, para nosso mal, ainda estão presentes na recta final do filme.

Contudo, olhando para "Saw", "Dead Silence" e este seu mais recente filme - excluo aqui "Death Sentence", filme quase fascista que, apesar de tecnicamente apreciável, não creio que possa entrar nesta análise -, fico completamente convencido que Wan é algo mais que apenas um realizador de terror competente. O seu gosto pelos tais truques primitivos do cinema tem-se vindo a intensificar, o que pode parece pouco claro face ao destino muito tortuoso e profundamente desgastante que levou a saga Saw. Contudo, sugiro olharmos por segundos para a personagem de Jigsaw no primeiro filme: um boneco "controlado" por uma voz humana, de origem incerta. Ora, não é essa a história do fantoche tenebroso de "Dead Silence"? Esta obsessão pelo ventriloquismo, que lembra imediatamente as histórias de alguns filmes antigos, como "The Great Gabbo" de James Cruze e Erich von Stroheim, empresta ao universo de Wan uma dimensão matérica-fake que não conhecemos na maior parte dos filmes de terror contemporâneos; estamos, enfim, no território das aberrações de circo, espaço onde precisamente o cinema começou a ser visto - o kinetoscópio de Edison.

Em "Insidious" Wan leva esta imagem ao limite: já não temos o tal boneco amaldiçoado, mas antes as personagens podem, a qualquer altura, constituir-se como objectos de manipulação demoníaca. Vemos a certa altura a criança "possuída", ou, como qualifica a medium outrossim lynchiana do filme, "assombrada", a ser manipulada como um fantoche por um vulto. Ela é um boneco à mercê do "recreio do mal", algo em que o pai acabará por se tornar para salvar o filho, mas, para tal, terá de abandonar o corpo e viajar no mundo dos espíritos - o filme perde alguma da materialidade primitiva a partir daqui, mas não deixa de insistir nalgumas soluções visuais que se riem na cara de muitos horror movies contemporâneos, a maior parte deles feitos de aparato CGI completamente desmaterializador (!) ou de espirros de sangue permanentes e quase-sempre-gratuitos ou, pior!, muita conversa de chacha.

O "homem com fogo na cara" parece parte de uma dessas histórias de fantasmas de Apichatpong ou das lendas urbanas que assombram "Mulholland Drive" - estou a pensar, por exemplo, no homem escondido nas traseiras do restaurante... A sua história permanece mais ou menos difusa até ao fim, algo que só posso elogiar em razão do ruído explicativo que se gera no final. Com efeito, este demónio permanece, depois do filme acabar, com(o) uma "história por contar", lenda horripilante do universo de Wan - quem sabe, ventríloquo de serviço para futuros novos velhos sustos? Não, vamos fechar este capítulo e deixar o papão continuar... papão.

2 comentários:

Wellvis disse...

"brilhantemente" seria um bocado de exagero não?

Luís Mendonça disse...

Hehehhehe... sim, se calhar é exagero da minha parte, mas eu de facto acho que ele sabe trabalhar muito bem sobre uma estética primitiva, trabalho esse que tem passado ao lado da maior parte da crítica - penso eu - por causa do estigma "Saw".

Não será brilhante, mas James Wan já deu provas de conseguir fazer aqui e ali coisas que estão acima da média.

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