terça-feira, 17 de janeiro de 2012

CINEdrio nas meias finais da Copa A Angústia do Blogger Cinéfilo...


O meu adversário, com o seu ataque feito da artilharia mais pesada do exército, teve uma das mais espectaculares performances de entre os jogos dos oitavos-de-final. Foi, aliás, o protagonista da maior viragem no marcador, ou seja, sofreu muito, mas também, por outro lado, marcou mais. Isto denota duas coisas: um ataque, de facto, explosivo, com o trio Tarantino, Murnau e Peckinpah bem duro de roer; e, contrariamente, uma defesa macia, talvez demasiado "sensível", sobretudo, para aguentar o meu ataque criativo e implacável. O seu número 10, Soderbergh, também não penso que seja jogador para esta competição, logo, arrisco dizer que no meio-campo o Breath Away FC tem ali um ponto fraco para ser explorado. De facto, em matéria de organização, Hitchcock superiorizar-se-á sempre, abrindo os caminhos da vitória à restante equipa do CINEdrio. Concorda?

8 comentários:

A Bola Indígena disse...

Acho que o claro vencedor é o Cinedrio, pois a equipa do Breath Away tem um claro buraco no meio campo e na defesa !

Boa sorte a todos e Cumps cinéfilos

Anónimo disse...

Estranhamente, nem tinha reparado que o Marker fazia parte da defesa do Breath Away. Até poderia concordar que é um defesa macio, mas não diria o mesmo sobre o Rohmer; pelo contrário, di-lo-ia um durão à antiga. O meio-campo é bastante fraco e, com excepção de Marker, a equipa parece-me manca, coxeando de forma acentuada na ala esquerda.
Do lado do Cinédrio FC, destacaria a serpente que se estende no centro do campo, desde a baliza até à área adversária, com destaque para Hitch e JLG - jogadores que, creio, devem dar-se mal no balneário. Confesso que não percebo as escolhas dos defesas direito e esquerdo; quanto ao Eastwood, ainda só o vi jogar uma vez, pelo que não posso pronunciar-me. O meu voto está na urna.


[Vi o Europa '51 há pouco tempo, pela primeira vez, e a "mensagem" pareceu-me bem mais ambígua do que o título do seo último post]

Luís Mendonça disse...

O defesa esquerdo, Carpenter, faz o corredor todo, isto é, vem buscar atrás... Boetticher é um defesa mais posicional à direita - mais, por assim dizer, "conservador", que defende seguro, mas avança pouco, exigindo, por isso, mais compensações pela ala do Mann. Esta é a explicação "técnico-táctica", como diria míster Jesus, para estas duas posições.

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Quanto ao "Europa 51", penso que contém o gesto de todos os filmes da fase Bergman de Rossellini. Uma tentativa de entranhamento de uma realidade (social, económica e geográfica) estranha através dessa figura quase metafísica da alavanca, que considero muito significativa no pensamento de Weil, ela, tão religiosa e tão marxista quanto o era talvez Rossellini - ela que, na sua vida, se empregou numa fábrica Renault para captar in loco a condição proletária... uma certa "mística" proletária, de base...

No caso específico do "Europa 51", a ambiguidade é reforçada pela (mais) assumida "santificação" da protagonista, mas esta é SEMPRE uma santificação provocada pela sua decisão de quebrar a barreira que separa "os seus" - uma espécie de alta-burguesia conservadora - da classe trabalhadora.

Curiosamente, ao quebrá-la, virou louca para os "seus" e "santa" para os populares. A ambiguidade residirá, penso eu, mas diz-me tu, no facto de ela, não sendo nem uma coisa nem outra, parecer ter encontrado o lugar de refúgio que tanto procurava - na sequência da morte do filho.

É, decididamente, o filme mais frontalmente espiritual do Rossellini e, no entanto, ao mesmo tempo, o filme que mais problematiza as "irresolúveis" diferenças de classe no seu cinema - nunca o estranhamento social, das pessoas, dos lugares e da paisagem, é plenamente entranhado.

Concordas?

Anónimo disse...

Um treinador não tem de justificar as suas escolhas perante os adeptos, muito menos perante outro treinador. Eu não saberia justificar a minha equipa, excepto por analogias duvidosas (ex: ter um belga na baliza, ou marxistas na ala esquerda).


Quanto à questão da santificação, e apenas tendo visto o filme uma vez, sou forçado a discordar. Ainda mal comecei a conhecer Rossellini, e não saberei situar o Europa num plano mais geral. Algumas ideias desorganizadas:

Onde o Cinédrio viu um processo de santificação eu apenas descobri uma posição de grande ambiguidade narrativa. O estranhamento de que fala é sentido pela própria personagem, não só em relação à sua família mas também aos miseráveis que a tomam por santa. A Senhora acata a elevação ao estatuto de Santa com o mesmo estranhamento, ou indiferença, com que acata a despromoção à condição de louca.
O trajecto dela é o de um estranhamento contínuo, sucessivo. Com a vida burguesa, com a família que a rodeia, com o comunismo, com a própria noção de trabalho. Há, de resto, uma cena em que a Sra. começa, parece-me, a sentir uma certa desilusão face aos seus pobres e miseráveis: tendo encontrado trabalho para uma das senhoras, esta diz-lhe que tem um encontro romântico marcado e não pode ir.
A Santa parece encontrar o refúgio que buscava, como diz o Cinédrio, mas será um abrigo mais próximo da ascese do que da santidade. É certo que ela tem um assomo de megalomania cristã, que chega a assustar um padre, mas é igualmente certo que em nenhum momento a Sra. combate a sua reclusão no hospício, onde não pode ajudar ninguém; eu diria que o refúgio que ela procura é a retirada do mundo, e que se houvesse algo que a impelisse verdadeiramente a "ajudar o outro", teria tentado resistir à sua hospitalização. Pelo contrário, resigna-se e, por vezes, pode até parecer que a promove; eu diria até que a cena em que ela discursa sobre o amor ao outro perante o padre (filmada, parece-me, com um certo desapego e distância) poderia ser entendida como uma tentativa de se encarcerar. Ou não. O filme não é inequívoco nesta questão, e por essa razão eu falei em ambiguidade.
Ela percorre a escala social com grande desapego, é certo, mas nunca este movimento me parece raiar a santidade; diria, antes, que é um processo de estranhamento, como diz o Cinédrio, e que este será mais (perdoe-me o palavrão) "existencial" do que "espiritual".

Luís Mendonça disse...

É muito curioso o que escreves e, apesar de não parecer aos teus olhos, está próximo daquilo que quero dizer. (Recomendo-te aliás os textos do catálogo da cinemateca dedicado ao Rossellini sobre a espiritualidade cristã no seu cinema... espelham bem esta ambiguidade "irresolúvel" no cinema de Rossellini... Ele próprio, sendo de esquerda, responde com ambiguidade à pergunta "acredita em Deus?". Isto faz-me lembrar de novo o epíteto que tinha Simone Weil: a freira vermelha. Penso que tanto Bazin como Rossellini eram comunistas cristãos, onde a espiritualidade desempenhava uma função, digamos, muito pragmática - mas não deixava de lá estar... (Há até quem associe a espiritualidade de Bazin a um liberalismo conservador encapotado - a "mão de Deus que empurra no sentido certo"... )

Isto para dizer que o tal "estranhamento" é uma via para a santidade, a meu ver. Quer dizer, e usando uma imagem de Zizek, é uma espécie de "terceira via obscena" que a Bergman encontrou para se refugiar da memória trágica do filho. Ela não está verdadeiramente "entre o povo", isto é, para fugir aos "seus", ela precisa de descer a escada social; para não estar entre o povo, ela precisa de ascender espiritualmente. De facto, Rossellini entende muito literalmente que "a religião é o ópio do povo", um exclusivo deste, por assim dizer...

Hoplita disse...

Lendo o pingue-pongue entre o cinédrio e o narciso sobre o Europa 51 (com enorme agrado pela inteligência dos olhares no esforço por perscrutar um objecto fílmico tão esquivo e ambíguo), não resisti a juntar-me à volta da fogueira. Para não maçar ficam algumas achegas: a comparação com a Simone Weil parece-me muito acertada, uma judia que resolve abdicar da posição de classe vivendo como assalariada, sem ter necessidade de tal - experiência temporária que à luz da sua biografia terá fortalecido mais a sua condição mística do que proletária. Concordo com o Narciso no que toca à ambiguidade narrativa. Rossellini evita com maestria uma mise-en-scène de carácter religioso, porque tenho para mim que a sua principal preocupação não passa por representar um «caminho para a santidade». Com efeito, a «santidade», a «religiosodade», a radicalidade da experiência de estranhamento do mundo (como diria Sloterdijk)a descida na escala social, etc. são todas experiências derivadas que orbitam em torno do que vejo como o núcleo central do filme: a culpa. Na verdade, tenho para mim que Europa 51 é uma magnífica tentativa de penetrar na experiência radical da culpa. Desmintam-me se acharem o contrário mas só há uma experiência capaz de rivalizar com a culpa na sua radicalidade, é a vingança (e seria curioso elencar os poucos filmes verdadeiramente interessantes que mais se aproximam destas duas experiências tão próximas uma da outra). Semelhantes na forma, são experiências de aniquilamento do ego - e em Europa51 elas confundem-se a tal ponto que é no fundo um filme sobre a vingança como correlato do sentimento de culpa. Irene/Bergman fruto das circunstâncias é devorada pela culpa e como consequência torna-se irreconhecível(a loucura não é dela, é um olhar/interpretação do outro sobre ela, um olhar que é insensível para a intensidade da culpa que cilindra o «seu» ego). A santidade e tudo o mais vem depois, ela não é um propósito da acção. O motor ou a alavanca encontra-se na vontade de anulação do ego, não para afirmação do Outro mas para negação e vingança de si e por extensão é toda a estratificação social que se desmorona. É uma vontade de morte instigada por uma culpa irreparável, que Irene não consegue dominar - conflito insanável com o ego, ego que se ramifica numa posição social, numa instituição social(família), numa ideologia(comunismo), numa religião(catolicismo).Nada disso é capaz de reparar ou de atenuar a força destruidora da culpa e a vontade de vingança assombra o ego em todas as suas formas. Tudo é ego e tudo isso é obstáculo à reparação da culpa enquanto vontade de vingança de si. Para terminar, a sua aparente serenidade quando é internada no hospício parece advir de uma resignação misteriosa, ou talvez não, se pensarmos que em momento algum ela esteve empenhada com qualquer mensagem. Aos olhos de Irene o hospício representa a lei, o hospício é arquitectura física da experiência da castração. A maioria de nós foge dessa experiência pavorosa - medo primitivo - ela conforma-se pondo fim ao movimento de estranhamento.
P.S. Há algumas cenas do filme, sobretudo aqueles planos dos rostos das mulheres internadas no hospício, que me fizeram lembrar «A História da Loucura» de Foucault, nomeadamente no que concerne à utilização do dispositivo psiquiátrico ao serviço de um sistema de repressão ideológico.

Luís Mendonça disse...

"O motor ou a alavanca encontra-se na vontade de anulação do ego, não para afirmação do Outro mas para negação e vingança de si e por extensão é toda a estratificação social que se desmorona."

Acho muito forte esta passagem do que dizes.

Na realidade, concordo em absoluto contigo. Mas o que retive mais é a parte em que dizes que a "alavanca encontra-se na vontade de...". É esta materialidade da filosofia da Weil que empresta à imagem da alavanca a particularidade do seu pensamento metafísico: a alavanca é uma ferramenta, desempenha uma função - uma função estúpida, diria Flusser - e, no entanto, na sua gravidade própria, é tratada como uma "imagem mental", uma ideia originária do mundo (ideia de acção - afinal, a alavanca imita o braço humano... ela é "acção" - como "princípio de" ou "Origem" como diz a Arendt). A materialidade marxista por um lado, e a transcendência do divino, por outro. Os dois convivem, estão ali, no cinema do Rossellini, como no discurso da Weil. Há muita gente que os evita, pela complexidade que encerra esse convívio, mas, como digo, ele está lá - é quase evidente.

Obrigado pela profundidade do comentário - ajuda-me mais do que possas pensar.

Hoplita disse...

Eu é que agradeço a oportunidade generosa que me concedes para tentar pensar, através do cinema.

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