terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Objective, Burma! (1945) de Raoul Walsh


É muito fácil gostar e até gostar muito de "Objective, Burma", filme cuja acção tem lugar no palco asiático da II Guerra Mundial, mais especificamente, na Birmânia, ponto de choque, espécie de Estado-tampão, entre os aliados (Estados Unidos, Grã-Bretanha, Índia e China) e o "terrível" império japonês. O objectivo no/do filme, contudo, não é a conquista desse território ou a vitória imediata sobre o inimigo, mas a história de sobrevivência de um grupo de militares ao longo de vários dias passados sem mantimentos em número suficiente e, a certa altura, com poucas expectativas de serem resgatados. Trata-se, em primeiro lugar, de um filme mais de sobrevivência do que de guerra, mais de choque com a envolvência agreste e selvagem do território do que com os métodos demoníacos do inimigo. Ainda assim, penso que Walsh podia ter vincado mais esta diferença em relação à maioria dos filmes do género, contendo-se de modo significativo no retrato bárbaro que faz do inimigo - não digo que ele não fosse "de facto" assim, simplesmente, há pouca vontade de, por exemplo, fazer deste filme uma reflexão mais distanciada sobre a natureza "desunamizadora" desta como de qualquer outra guerra.

Face a "The Thin Red Line" ou "Flags of Our Fathers", este filme de Walsh arrisca cair numa certa visão aligeirada da guerra, mostrando, no começo, os bons soldados americanos a massacrarem os seus inimigos com um sorriso estampado no rosto, como se estivessem a desempenhar uma tarefa rotineira ou natural, para depois se lançar na mais alta indignação e sentimento de horror e ódio face à barbárie cometida pelo inimigo. O jornalista no grupo chega a deixar fugir qualquer coisa como "gente desta devia ser eliminada da face da Terra". A câmara de Walsh não promove o contra-campo, moralmente justificado, aqui, porque para ela não parece haver dúvidas de que a chacina de japoneses é "entertainment" mas a morte de americanos constitui um momento político sério, mesmo que catártico. Preciso de o dizer: este desequilíbrio moral não sabe e não soa bem hoje.

Não consigo ser cúmplice do grupo de cinéfilos para os quais tudo é cinema ou um jogo de formas e sons, porque quando entramos no domínio da definição do Humano (ou do que resta dele), lamento dizê-lo, mas o cinema não basta. O caso deste filme de Walsh não é, seguramente, o mais grave - não é um "The Birth of a Nation", onde curiosamente Walsh entra no papel do assassino de Lincoln, filme paradigmático de alguns dos problemas que se podem interpor na relação da cinefilia com o mundo, principalmente uma certa totalização da experiência pelo cinema (como se este último, de facto, bastasse para esquecermos tudo o mais...).

"Objective, Burma!" é um filme de acção magnificamente montado, em registo semi-documental, que acompanha a operação militar do título a par e passo, absorvendo cada minuto com o sentimento de também nós, espectadores, estarmos ali, com aqueles homens e naquele lugar. De novo, Walsh filma uma travessia e os problemas - muito concretos - que se colocam aos seus heróis entre um ponto A e um ponto B. Na realidade, o filme é o somatório de todas essas dificuldades e o modo como estas vão sendo superadas pelos protagonistas. Envolvente, intenso, sem excesso de retórica - apesar da sua, já referida, notória natureza propagandista -, "Objective, Burma!" resume, fora a menor ou maior aderência à "visão do mundo" do espectador moderno, algumas das melhores virtualidades do filme de acção tipicamente walshiano.

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