quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Os melhores de 2013

Não pensem que sofro de esquizofrenia ou que os meus Tops estão de tal modo imersos em hesitações que faço um no À pala de Walsh e outro ligeiramente diferente aqui, no bom velho CINEdrio. Não, a verdade é que as regras walshianas são mais estritas do que aqui no burgo mais pequeno, onde sempre contabilizei os mais infames direct-to-DVDs da temporada. Este ano (em que consegui ver 64 títulos), curiosamente, um filme que ainda nem sequer está em DVD chega a este Top com honras de pódio. Falo do inevitável "Killer Joe". A sua estreia em sala foi sucessivamente adiada até que - não sei se é para celebrar ou lamentar - um dos filmes mais selvagens e animais a sair de Hollywood em muito tempo, de um dos seus mais indisciplinados filhos, chega aos lares de todos os portugueses através da oferta on-demand.

Matthew McConaughey tem o papel mais marcante de 2013 e se juntarmos ao seu Joe aquele que é o muito pedido "segundo fôlego" de Jeff Nichols, depois do decepcionante "Take Shelter" e do tão entusiasmante "Shotgun Stories", então aí estamos mesmo perante o mais sério candidato a "figura internacional do ano" - balanço a ser feito em breve aqui, no CINEdrio. A única crítica a "Mud" que li por cá que lhe faz justiça é esta de Manuel S. Fonseca, que bem a propósito cita o clássico de Fritz Lang "Moonfleet". "Mud" é o possível conto de piratas ou "de pirata" dentro desta nossa contemporaneidade.

Trabalhar com os realizadores certos ajuda, mas McConaughey já pertence hoje ao restrito grupo de actores com alma de cineasta, verdadeiros "fazedores" de filmes nos filmes. A forma do corpo, do andar, do falar, do gesticular, tudo nele condiciona o "objecto final". Algo semelhante acontece com Adèle naquela que é, para mim, a obra máxima de 2013. Penso que o título do filme é bem mais exacto do que o título da banda desenhada que lhe esteve na origem: este filme, esta vida é DE Adèle antes de ser DE Kechiche. E com isto endereço o maior elogio possível ao cineasta franco-tunisino, que soube descobrir no rosto certo o princípio - e o fim - de um filme que é uma odisseia sentimental única.

Estaria a falar de "The Immigrant" no lugar de "La vie d'Adèle" (e pode ser que algures entre os dois cada um de nós encontre uma novíssima Maria Falconetti…), caso o filme tivesse merecido a sua estreia comercial em 2013. Ainda sinto o seu impacto desde que o vi no último Estoril & Lisbon Film Festival. Espero que, ao contrário de "Killer Joe", esta obra-prima de James Gray (penso que só talvez "Little Odessa" a supere) mereça uma estreia à sua altura no 2014 que se avizinha. "Stemple Pass" de James Benning estaria no lugar de "The Immigrant" (caso este último tivesse estreado) se tivessse tido a sorte da habitual montanha de filmes irrelevantes que chegaram às salas comerciais em 2013. Alguns entendem os filmes de Benning como peças de um museu. Por isso, será, neste momento, profundamente inglório e frustrante bater-me pela estreia em sala de um filme como "Stemple Pass". De qualquer modo, não posso deixar de sublinhar o valor estético e político deste objecto, um dos mais perfeitos do realizador de "Landscape Suicide".

Uma nota final para a outra obra-prima do ano, que teve uma distribuição tão ou até mais limitada que outro dos filmes que constam deste Top, "La fille de nulle part". Falo da assombrosa - e assombrada - hawksização do horror levada a cabo pelo talentosíssimo realizador norte-americano Ti West. "The Innkeepers" é o grande filme que a crítica não quis ver ou viu mal. "Insidious - Chapter 2" de James Wan, irmão mais tresloucado e "indomável" do filme de West, foi outro exemplo de como a crítica oficial consegue passar ao lado do essencial: mise en scène pura (como a definia Rivette), isto é, filme que é só câmara, corpos em movimento e décor. É tão livre que roça a mais alta abstracção fantasmática.

Não escolho estes filmes por reacção ao que ficou de fora da maioria dos Tops, escolho-os porque me parece que todos eles participam na mesma evidência: o cinema, na época mais quente da sua desmaterialização, regressa às origens, aos truques de ou muito simplesmente para dentro da câmara e às fantasmagorias do cinema mudo pré-griffithiano, a Edison, Méliès, Segundo de Chomón... Resistir ao digital ou assombrá-lo - resistir para progredir… - com os efeitos do cinematógrafo? O Carlos Natálio (no seu texto de balanço à pala de Walsh) invoca a fórmula less is more, mas acho que fundamentalmente 2013 é uma lição de back-to-basics a reter.


1. "La vie d'Adèle - chapitre 1 & 2" de Abdellatif Kechiche


2. "The Innkeepers" de Ti West

3. "Killer Joe" de William Friedkin (on-demand)

4. "Zero Dark Thirty" de Kathryn Bigelow

5.  "La fille de nulle part" de Jean-Claude Brisseau

6. "Passion" de Brian De Palma 

7. "Da-reun na-ra-e-suh"/ "Noutro País" de Hong Sang-soo 

8. "Insidious - Chapter 2" de James Wan

9. "Before Midnight" de Richard Linklater

10. "Mud" de Jeff Nichols

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