sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os rostos de 2013

Figura do ano (internacional)

Matthew McConaughey

O CINEdrio não hesita na escolha, mesmo que não tenha por hábito escolher actores (ou actrizes) nesta secção. Matthew McConaughey fez uma viragem de 180º na sua carreira sensivelmente desde "Bernie" - ou um pouco antes com "Tropic Thunder". Desde aí, como o próprio já o disse em entrevista, só aceita projectos arriscados. E se a realização é uma actividade decisória, gestão de riscos, então podemos dizer que McConaughey deixou de pensar como um actor para começar a pensar como um cineasta. Olhando para o papel que desempenha em "Mud", mas sobretudo para a sua composição em "Killer Joe" até apetece dizer que pensa como e com o cineasta, qual co-autor dos seus filmes. Não é só um bom actor para Óscar ver, é alguém que parece estar disposto a ultrapassar-se ou a desaparecer em abono do filme.

Conta Friedkin, na sua autobiografia Friedkin Connection, que McConaughey terá começado a folhear o argumento e, repugnado, tê-lo-á atirado para o lixo. A estratégia do risco, contudo, dominou a fúria e o "nojo" - acho que a palavra é essa - e McConaughey, imaginem a ignomínia, terá ido ao lixo resgatar as páginas de Tracy Letts, dramaturgo que assinou também o argumento de "Bug". O que faz depois ficará na história do cinema moderno como a composição mais, simultaneamente, calculada e histriónica que nos foi dada a ver. Num ano em que Tarantino digeriu Tarantino até ao enjoo, McConaughey e Friedkin (os dois "lobos maus") fizeram a mais radical e transgressora fábula contemporânea, fazendo uso, precisamente, do mesmo shock effect. Em "Mud", o registo é outro, o monólogo é interior e melancólico, o rosto e os gestos são igualmente seguros mas atravessados por uma descrença muito humana no futuro. Mud é um "pirata" caído, perseguido por um amor que lhe corrói a existência. A interpretação mais comovente de 2013.

Em Janeiro, McConaughey traz-nos "Dallas Buyers Club", multipremiado filme que se baseia numa interpretação que tem feito correr tinta, já que o actor terá perdido cerca de 17 quilos para dar corpo (mais osso do que pele) à história de vida de Ron Woodroof, que de redneck homofóbico e racista passou a activo combatente da "epidemia do século" nos Estados Unidos. Teremos ainda McConaughey no mais recente filme de Martin Scorsese, "The Wolf of Wall Street", e com alguma sorte ainda estreia em 2014 o próximo filme de Christopher Nolan (cujo teaser já anda a circular) e que é protagonizado por… you know who. Portanto, a figura internacional de 2013 tem tudo para ressoar no ano que aí vem.

Figura do ano (nacional)

Joaquim Pinto

As premiações de "E Agora? Lembra-me" já são várias, mas tudo começou em Locarno com a conquista do Grande Prémio do Júri (para além do Prémio FIPRESCI). Desde aí que merecidamente o público e a crítica por todo o mundo têm aplaudido este épico documentário sobre a vida, a morte, o tempo, mas também muito particularmente sobre o amor e o trabalho como forma de resistência à doença (o HIV). Foi o filme mais "total" que vi este ano, uma lufada de ar fresco no actual panorama  do cinema português. Não é de modo algum comum no nosso cinema encontrar objectos de uma honestidade e nudez tão "sem artifício". É a história de uma grande viagem, que não tem começo e que não tem fim, que não encerra nada, apenas abre a janela sobre uma vida e uma luta que, nem que metaforicamente, nos toca a todos. Aliás, "tocante" - em toda a riqueza do adjectivo - é a melhor palavra que encontro para qualificar a experiência de "E Agora? Lembra-me". Não se procura um santo ou um statement, mas apenas um registo sobre a fragilidade do corpo, mas também a sua fome inesgotável por conhecimento, por amor, pela terra, pelo toque, pela pura ruminação. Fome pela vida. 

É um ensaio, um diário, um épico sobre a existência que, quero deixar claro, TEM de passar no circuito comercial de salas. E se as distribuidoras - por causa das suas perto de 3 horas, talvez - acharem que NÃO TEM, eu acho que finalmente é tempo de se desbloquear o regime fascizante e obscurantista da RTP2 e RTP1 e usar os canais públicos supostamente de serviço público como espaços de exibição do cinema português, aquele que as salas querem passar e aquele que as salas não querem passar. Lembro-me de João Salaviza, no dia da sua premiação em Berlim, quando disse que o seu filme "Rafa" e "Tabu" de Miguel Gomes deviam estar a passar naquele dia na televisão portuguesa; quando disse que teve mais espectadores em festivais de cinema do que nas salas comerciais. 

Se o público está sentado no sofá, em frente à "caixa mágica", pois então que se active a sua missão de serviço público ou até, já agora, que o poder político a leve mais longe: independentemente de haver contrato de distribuição, todos os filmes produzidos com dinheiro do Estado deveriam estrear directamente na televisão pública. Uma primeira exibição que desse que falar e pusesse os filmes a circular, de olho em olho, de boca em boca, até à eventual (mas não necessária nem tão-pouco mendigada…) passagem pelo grande ecrã. O que é preciso é não ficar à espera da iniciativa das distribuidoras ou deixar que estes filmes se enredem numa desinteressantíssima "guerra especulativa de audiências", seja ela travada na piscina dos grandes, seja ela travada na piscina dos pequenos. Se o público está plantado no sofá, se o Estado tem forma de chegar a ele, muito facilmente, através dos seus dois canais, parece-me evidente que está encontrada a forma e a fórmula para prolongar a vida de um investimento cultural de monta. O Estado não só não deve esperar pelo mercado da distribuição como acho que se deve sempre antecipar a este. Estou cada dia mais convencido disto. 

8 comentários:

Sam disse...

'Kudos' para a referência a Matthew McConaughey e KILLER JOE. É preciso falar - sempre e muito - desta pérola que grande parte do público português não teve a chance de conhecer em grande ecrã.

Abençoados aqueles que arriscarem no "desconhecido" pelo menu do videoclube do MEO...

Cumps cinéfilos.

Pereira disse...

"E Agora? Lembra-me" estreia por cá em Abril, pela Midas

Luís Mendonça disse...

É oficial essa informação?

Não a consigo confirmar, pelo menos, no seu site: http://www.midas-filmes.pt/estreias/proximas_estreias/

Pereira disse...

Fonte relativamente segura : http://ipsilon.publico.pt/cinema/texto.aspx?id=328996

Luís Mendonça disse...

O site oficioso da Midas?

Pereira disse...

Estas coisas por vezes sabem-se antes das confirmações ou divulgações oficiais, é bastante usual isso acontecer.

Luís Mendonça disse...

Não vi no facebook da Midas, não está no site da Midas. Mas vem no Ípsilon.

O que interessa, no entanto, é a boa notícia.

Pereira disse...

Este tipo de coisas acontece, não me admirava nada que fosse um qualquer tipo de embargo da Midas, ou uma dúvida em relação à semana em que o filme estreia. Enfim...o que interessa é daqui a uns meses está aí.

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