quarta-feira, 16 de abril de 2008

O Poder da Imagem III: O Olhar e o Olhado em They Live (I)


2. O Olhar e o Olhado em They Live (I)

Stay Asleep.
No Imagination.
Submit to authority.


They Live data de 1988, época que marca o fim da era do Presidente Ronald Reagan, que nesse ano deu lugar a Bush Senior. A incerteza instalara-se no periclitante momento em que a ameaça comunista se des­vanecia e a guerra-fria chegava ao fim dos seus dias. Foi precisamente nesta fase de rescaldo, ou seja, num momento em que a América inicia um período de recuperação pós-trauma, que Carpenter decide fazer They Live, obra anti-sistema que, ao invés de alimentar a ilusão da vitória norte-americana numa guerra que nunca chegou a defla­grar, apostou numa parábola política, disfarçada de cinema sci-fi de acção.

Este subvalorizado filme de Carpenter procu­rou, numa investida espinhosa contra a América de Reagan, da intimidação anti-comu­nista, dos yuppies e do corporate power, deslindar o universo subterrâneo que fluía, em conspirativo secretismo, no cerne da sociedade norte-ameri­cana.

Neste tempo passado, que ainda é o do presente, porque, alerta Carpenter, o reaginismo, de facto, ainda não morreu, os media eram os mensageiros de um "sistema", zelando pela manutenção da ordem – o tal statu quo reaginista – e reproduzindo a ideo­logia dominante – do capitalismo selvagem e de um certo repúdio irreflectido dirigido ao inimigo comunista.

(alerta para alguns spoilers, a partir daqui)
De início ao fim, não conhecemos nada sobre o protagonista, nem mesmo o seu nome, que nos créditos finais mereceu um baptismo irónico: Nada. Vemo-lo inicialmente com uma enorme mochila às costas, vindo de uma estação ferroviária. Quando chega à grande cidade, Nada não descansa enquanto não encontra um trabalho, abrigo e comida. A muito custo, arranja um trabalho precário nas obras; abrigo e comida numa pequena comunidade, que se estabeleceu num vasto terreno, situado na zona periférica da cidade.

Desde o começo, Nada pressente algo de estranho: não só no espaço onde agora vive, mas naquilo que lhe chega aos olhos, via TV, uma vez que a emissão normal das televisões tem vindo a ser interrompido por um sinal exterior. Entre os programas fúteis e estupidificantes que proliferam no espaço televisivo, revela-se, ocasionalmente, a imagem de um homem que, em tom profético, apela à humanidade que reaja ao perigoso estado de adormecimento em que submergiu…

Nada começa, de imediato, a desconfiar da constante actividade que rodeia uma igreja, situada perto da comunidade. Dentro dela, descobre que os cânticos religiosos, que de lá se faziam soar, não passa­m de gravações em cassete.

À socapa, Nada apercebe-se que aquilo que aparenta ser um espaço de culto, foi substituído por uma espécie de organização secreta, responsável pelas interferências no sinal televisivo. Antes de conseguir agarrar sequer uma das misteriosas caixas que se encontravam na igreja, Nada é surpreendido por um pregador cego que, contra a sua condição, afirma que “Deus fê-lo ver”.

Quando a noite cai, helicópteros e carros da polícia invadem violentamente o espaço da igreja e executam uma autêntica “limpeza de hereges”. Inquietado com o sucedido, Nada procura retirar da igreja uma das caixas que, no dia anterior, lhe haviam despertado um inusitado fascínio. Na cidade, resolve abrir a caixa, mas desilude-se com o que, dentro dela, encontra: um punhado de banalíssimos óculos escuros. Mas o que era banal torna-se em algo excepcional: postos os óculos, Nada vê um mundo novo.

Nada desperta do torpor em "They Live" (1988)


No substrato dos outdoors, dos textos das revistas, dos discursos políticos televi­sionados, Nada vislumbra, “preto no branco”, perturbantes mensagens de ordem, tão agressivas quanto lacónicas: Stay asleep, No imagination, Submit to authorithy, Obey, Consume, etc. Por outro lado, os óculos permitem reconhecer, entre humanos, seres de outro planeta – alguns dos humanos apresentam um fácies transmutado em algo de abominável e macabro, contactando entre si, através de relógios de pulso.

A reacção do nosso herói é, sem grande hesitação, a de exterminar, a tiro de caçadeira se for preciso, esses seres diabólicos que se regozijam com a manipulação e controle da espécie humana…

(continua)

2 comentários:

Capitão Napalm disse...

Ainda bem que alguém escreve sobre este filme, o meu preferido de Carpenter. Filme que, aliás, parece cada vez mais actual, nesta era de alienante consumismo.

Luís Mendonça disse...

Ainda bem que alguém diz que o seu filme preferido de Carpenter é "They Live". Digo isto, porque sou um fã incondicional de Carpenter. Na realidade, posso-te dizer, chocando certamente muita gente, que Carpenter é o maior realizador vivo.
"They Live" é um dos filmes em que o realizador vai longe na sua visão das sociedades ocidentais modernas. Conhecemos o seu inalienável pessimismo em relação à humanidade, mas aqui até há uma mensagem de esperança, traduzida na reacção "louca" do protagonista contra o statu quo.

Obrigado pelas palavras e sinceros parabéns pelo teu blog, que, já agora, porque ainda não o disse, é um espaço muito interessante.

Abraço e volta sempre

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