Os putos de Shy
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De facto, para os actores, não são fáceis, ponto 1, as codificadas falas shyamalianas que podem fazê-los cair no ridículo e, ponto 2, dizê-las quase de frente para a câmara (veja-se o ponto I desta análise). Noah Ringer (o Avatar) e Nicola Peltz (Katara) estão muito bem nos seus papéis. O mesmo não se pode dizer dos mais velhos: a opção pelo comediante do Daily Show Aasif Mandvi para o papel de "segundo" vilão é desastrada, sendo quase embaraçosos os seus esgares forçados de malvadez; também o "slumdog" Dev Patel está desajustado no seu papel de "anti-herói" edipiano com coração de manteiga. Pergunto-me se não seria muito mais interessante ver o Shyamalan neste elenco com tantos indianos; seria, ainda mais interessante, vê-lo passar de "Messias" a vilão, ficando com o papel do pouco convincente Mandvi...
De facto, pela segunda vez consecutiva, Shyamalan não deixa a sua assinatura (qual Hitchcock) num filme seu - relembro que esta sua persona ganhava contornos extra-fílmicos muito curiosos, e muito irónicos, em "Lady in the Water", levando mais longe os cameos quase meramente "autorais" de, nomedamente, "The Village" e "Signs". Pergunto-me se este não será um sinal de menor envolvimento ou convicção do realizador nos projectos que tem encabeçado.
Hinduísmo (uma outra religião). Shyamalan, um indiano tornado cineasta na América, divide-se entre as religiões católica e hindu. Se o catolicismo parece habitar especialmente os dramas humanos dos seus filmes (o sacrifício, a contrição/culpa, a redenção/perdão), a iconografia e mitologia hindus parecem contaminar toda a envolvência fantástica, o que se comprova pelas suas narrativas sobre mundos conflituantes, Deuses vários (o politeísmo hindu) que fazem das criaturas da Terra veículos das suas manifestações terrenas (avatares). O universo dos animais, por norma bem delimitado, é sagrado para as personagens humanas dos seus filmes. Macacos nascidos das árvores ou cães-lobo raivosos que emergem da relva são os Deuses maus de "Lady in the Water", ao passo que em "The Last Airbender" temos um lémure-voador como companhia favorita do Avatar, criança que se move agilmente na floresta como um macaco que saltita entre galhos, e dois peixes como Deuses do mundo dos espíritos - almas puras, frágeis mas belas, que exortam os homens a serem humildes.
Uma das originalidades de Shyamalan - que se mantém aqui, nem mais nem menos "fresca" - é esta mescla exótica entre a viagem espiritual típica da narrativa cristã (pecado/culpa - sacrifício - redenção) e a iconografia/cosmologia hindu, que se presta à devoção dos elementos da Terra, à descoberta do Eu através da medi(t)ação Espiritual (viagem interior, que também se faz em "The Last Airbender") ou à sua renovação mediante processos de reincarnação (os tais avatares...).
A re-ligião. Para os ateus ou agnósticos, a obra de Shyamalan guarda uma descoberta universal: a re-ligião do Humano ou, se quiserem, a relação com o transcendente através do amor.
Amor e sacrifício em...
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O milagre da multiplicação digital à "Ages of Empire"
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Um lugar na indústria. O cinema de Shyamalan é, está visto, fértil em dilemas, incongruências, contradições, e navega permanentemente entre o sublime e o ridículo, com um despudorado à-vontade. Para além das referidas questões ontológicas, esta "tensão" nasce também desse sonho misto, que se afigura cada vez mais impossível: ser um realizador de massas e, ao mesmo tempo, um experimentador pós-moderno das formas de filmar e contar histórias. O impasse está à vista: Shyamalan encontra-se numa situação muito complicada, já que "The Last Airbender" parecia ser a sua última oportunidade para voltar a atacar a indústria. O resultado tem sido catastrófico, tanto a nível de público mas acima de tudo a nível de crítica, e, desta vez, nem a Europa o está a safar.
Depois do incompreendido "Lady in the Water", Shyamalan parece ter-se confrontado com duas opções: ou continuar no registo de fábula fantástica de terror ("The Village"/"Lady in the Water") ou prosseguir na via thrillesca ("The Sixth Sense"/"Signs"). Decidiu-se, numa primeira instância, pela segunda opção, o que deu origem ao fracassado "The Happening". Depois, como quem volta atrás, Shyamalan envereda pela segunda opção, atirando-se de cabeça para este projecto de grande orçamento - e muito dinheiro significa pressão e menos liberdade -, um franchise baseado nuns desenhos animados da Nickelodeon que Shyamalan tem o DEVER de rentabilizar.
Neste momento, o "compromisso" com as sequelas desta história é mais uma prisão do que uma forma de o libertar para a conquista do tal sonho complicado: (continuar a) ser Tourneur, ser Epstein, ser Sjostrom, ser Dreyer e, ao mesmo tempo, ser também Hitchcock, Spielberg e Lucas... O meu desejo é que Shyamalan se reencontre consigo mesmo - meditando ou não... -; ponha de parte esse "complexo" tão americano com as etiquetas, e se aventure num filme que volte a fazer dessa invocação/evocação cinéfila a seiva que lhe alimente o imaginário.
1 comentário:
O "The Happening" foi uma treta. O pior filme dele. Este nem o vou ver. Espero o próximo que tem um casting muito bom.
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