sábado, 21 de agosto de 2010

The Last Airbender (2010) de M. Night Shyamalan (II)

Casting. Não correu bem em "The Happening": o próprio Mark Whalberg, no extinto talk show de Conan O'Brien, referiu que nunca se imaginou "professor de ciências". Eu não o via nem o vi, nem sei o que passou pela cabeça de Shyamalan para o ver... Um realizador que arrisca tanto como Shyamalan não deve cometer estes erros de palmatória, que só vêm contaminar toda a experiência cinemática que o filme tem para oferecer - e só pontualmente "The Happening" nos conquista. Antes, Shyamalan tinha acertado em cheio nas suas apostas, destacando-se Mel Gibson em "Signs" e a descoberta da luminosa Bryce Dallas Howard ou as duas oportunidades que deu a Phoenix para atingir a maturidade interpretativa que hoje lhe reconhecemos.

Os putos de Shy

Haley Joel Osment em "The Sixth Sense"

Rory Culkin em "Signs"

Noah Ringer em "The Last Airbender"

Tudou correu bem até... mas, diga-se, em "The Happening" Shyamalan até foi feliz ao revelar-nos a "assombrada" Zooey Deschanel. Aqui, neste "The Last Airbender", o problema não está nos protagonistas jovens. Shyamalan é, como bem sabemos de filmes como "Signs" e "The Sixth Sense", um grande "director de actores", sobretudo, os mais pequenos (sim, Haley Joel Osment e Rory Culkin, respectivamente, são magníficos nesses filmes).

De facto, para os actores, não são fáceis, ponto 1, as codificadas falas shyamalianas que podem fazê-los cair no ridículo e, ponto 2, dizê-las quase de frente para a câmara (veja-se o ponto I desta análise). Noah Ringer (o Avatar) e Nicola Peltz (Katara) estão muito bem nos seus papéis. O mesmo não se pode dizer dos mais velhos: a opção pelo comediante do Daily Show Aasif Mandvi para o papel de "segundo" vilão é desastrada, sendo quase embaraçosos os seus esgares forçados de malvadez; também o "slumdog" Dev Patel está desajustado no seu papel de "anti-herói" edipiano com coração de manteiga. Pergunto-me se não seria muito mais interessante ver o Shyamalan neste elenco com tantos indianos; seria, ainda mais interessante, vê-lo passar de "Messias" a vilão, ficando com o papel do pouco convincente Mandvi...

De facto, pela segunda vez consecutiva, Shyamalan não deixa a sua assinatura (qual Hitchcock) num filme seu - relembro que esta sua persona ganhava contornos extra-fílmicos muito curiosos, e muito irónicos, em "Lady in the Water", levando mais longe os cameos quase meramente "autorais" de, nomedamente, "The Village" e "Signs". Pergunto-me se este não será um sinal de menor envolvimento ou convicção do realizador nos projectos que tem encabeçado.

Hinduísmo (uma outra religião). Shyamalan, um indiano tornado cineasta na América, divide-se entre as religiões católica e hindu. Se o catolicismo parece habitar especialmente os dramas humanos dos seus filmes (o sacrifício, a contrição/culpa, a redenção/perdão), a iconografia e mitologia hindus parecem contaminar toda a envolvência fantástica, o que se comprova pelas suas narrativas sobre mundos conflituantes, Deuses vários (o politeísmo hindu) que fazem das criaturas da Terra veículos das suas manifestações terrenas (avatares). O universo dos animais, por norma bem delimitado, é sagrado para as personagens humanas dos seus filmes. Macacos nascidos das árvores ou cães-lobo raivosos que emergem da relva são os Deuses maus de "Lady in the Water", ao passo que em "The Last Airbender" temos um lémure-voador como companhia favorita do Avatar, criança que se move agilmente na floresta como um macaco que saltita entre galhos, e dois peixes como Deuses do mundo dos espíritos - almas puras, frágeis mas belas, que exortam os homens a serem humildes.

Uma das originalidades de Shyamalan - que se mantém aqui, nem mais nem menos "fresca" - é esta mescla exótica entre a viagem espiritual típica da narrativa cristã (pecado/culpa - sacrifício - redenção) e a iconografia/cosmologia hindu, que se presta à devoção dos elementos da Terra, à descoberta do Eu através da medi(t)ação Espiritual (viagem interior, que também se faz em "The Last Airbender") ou à sua renovação mediante processos de reincarnação (os tais avatares...).

A re-ligião. Para os ateus ou agnósticos, a obra de Shyamalan guarda uma descoberta universal: a re-ligião do Humano ou, se quiserem, a relação com o transcendente através do amor.

Amor e sacrifício em...

"The Last Airbender"

"The Village"

"Signs"

Será muito subjectivo dizê-lo, mas penso ser importante sublinhar o amor que Shyamalan deposita em cada personagem, a forma como o torna "motor" das suas acções, espécie de derradeiro "feitiço" contra o qual não se postarão obstáculos. Como num Dreyer, Shyamalan, por puro amor às suas personagens, não se inibe de devolver a vida a Rory Culkin em "Signs" e a Joaquin Phoenix em "The Village" - é o amor de pai para filho que "ressuscita" o primeiro e é o amor de homem para mulher que "ressuscita" o segundo. Aqui, em "The Last Airbender", temos, contudo, um desenlace mais duro - ou "o" desenlace ainda está para vir nas Partes II e III? - traduzido no sacrifício da rapariga de cabelos brancos - mas, como ela diz, o seu espírito irá "viver" além-túmulo, no mundo dos espíritos...

O milagre da multiplicação digital à "Ages of Empire"

Jogo "Ages of Empire"

"The Last Airbender"

"Troy"

"Flags of Our Fathers"

As referências re-ligiosas abundam em "The Last Airbender", o que, de novo, faz muito sentido na Obra de Shyamalan, ainda que estas surjam em formas muito menos interessantes, tão automáticas quanto alguns dos efeitos CGI de grande escala. Com efeito, parece que já vimos aquela frota de navios em "Troy" ou mesmo em "Flags of Our Fathers"; entretanto, o truque por tantas vezes usado e revelado - o milagre da multiplicação digital à la "Ages of Empire" - surge-nos muito gasto.

Um lugar na indústria. O cinema de Shyamalan é, está visto, fértil em dilemas, incongruências, contradições, e navega permanentemente entre o sublime e o ridículo, com um despudorado à-vontade. Para além das referidas questões ontológicas, esta "tensão" nasce também desse sonho misto, que se afigura cada vez mais impossível: ser um realizador de massas e, ao mesmo tempo, um experimentador pós-moderno das formas de filmar e contar histórias. O impasse está à vista: Shyamalan encontra-se numa situação muito complicada, já que "The Last Airbender" parecia ser a sua última oportunidade para voltar a atacar a indústria. O resultado tem sido catastrófico, tanto a nível de público mas acima de tudo a nível de crítica, e, desta vez, nem a Europa o está a safar.

Depois do incompreendido "Lady in the Water", Shyamalan parece ter-se confrontado com duas opções: ou continuar no registo de fábula fantástica de terror ("The Village"/"Lady in the Water") ou prosseguir na via thrillesca ("The Sixth Sense"/"Signs"). Decidiu-se, numa primeira instância, pela segunda opção, o que deu origem ao fracassado "The Happening". Depois, como quem volta atrás, Shyamalan envereda pela segunda opção, atirando-se de cabeça para este projecto de grande orçamento - e muito dinheiro significa pressão e menos liberdade -, um franchise baseado nuns desenhos animados da Nickelodeon que Shyamalan tem o DEVER de rentabilizar.

Neste momento, o "compromisso" com as sequelas desta história é mais uma prisão do que uma forma de o libertar para a conquista do tal sonho complicado: (continuar a) ser Tourneur, ser Epstein, ser Sjostrom, ser Dreyer e, ao mesmo tempo, ser também Hitchcock, Spielberg e Lucas... O meu desejo é que Shyamalan se reencontre consigo mesmo - meditando ou não... -; ponha de parte esse "complexo" tão americano com as etiquetas, e se aventure num filme que volte a fazer dessa invocação/evocação cinéfila a seiva que lhe alimente o imaginário.

1 comentário:

Dora disse...

O "The Happening" foi uma treta. O pior filme dele. Este nem o vou ver. Espero o próximo que tem um casting muito bom.

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