"Stillleben" é uma espécie de "Festen" ao contrário ou, se preferirem, pegando num filme que analisei há pouco tempo, o lado B de "Michael". Se nestes filmes o que se explora emocionalmente é a violência do acto, em "Stillleben", e aqui reside a sua relativa originalidade, o objecto de reflexão é o acto em potência ou, se preferirem, o acto potencial. Neste filme do austríaco Sebastian Meise, o pai de família - e daí a minha referência a "Festen" - vê a sua íntima atracção pela filha desvelada pelo filho. Em vez de apostar no "rebentar da bomba" ou na confrontação verbal entre os filhos, nomeadamente, a filha e o pai, bem como a mãe, Meise prefere a solução de conter o "choque" num pedaço de papel ou numas fotos familiares que o pai usava para se masturbar... As personagens trocam estes "adereços" e é nessa passagem, mão-a-mão, de objectos que a comunicação do trauma se faz, muito mais do que - e daí eu dizer que é "Festen" ao contrário - o apontar de dedos ou os discursos condenatórios "in your face".
Por outro lado, como disse, ao contrário dos dois filmes já citados, este pedófilo não é um abusador, não passou a vias de facto, logo, o que assombra todo este filme é a vergonha pura ou a ideia terrível do "se" aquele homem pensou fazê-lo com a filha e do "se" aquele homem continua a pensar fazê-lo com a filha. Trata-se, portanto, da expressão de uma violência mais especulativa do que efectiva: aquele cavalheiro, que parece ser um pai de família ideal, não assume e não realiza as suas pulsões sexuais, fundamentalmente, por medo (da "condenação") ou por vergonha (desse acto nojento)?
Há qualquer coisa como uma passividade destrutiva que aparece neste filme como grande pedra-de-toque "conceptualizante": as personagens não agem, não conseguem agir, paralisam ante a nova sombra que se abate sobre as suas vidas: o acto potencial de um pai de família pedófilo - um pedófilo cobarde? um pedófilo com vergonha de si? Uma potência impotente que choca! "Stilllben" - o still vem desta paralisia moral - é bem sucedido a teorizar sobre todas estas ideias, sociológica e psicologicamente densas, mas, enquanto objecto cinematográfico, ao pé de qualquer um dos filmes aqui citados, sai algo anulado, como que contaminado pela frieza das suas "teorias". Acaba esta teorizada "passividade destrutiva", a única coisa que se retém de "Stillleben", por retirar brilho e dar pouco ou nenhum espaço às formas desta teoria-filme? Infelizmente, arrisco dizer que sim.
Há qualquer coisa como uma passividade destrutiva que aparece neste filme como grande pedra-de-toque "conceptualizante": as personagens não agem, não conseguem agir, paralisam ante a nova sombra que se abate sobre as suas vidas: o acto potencial de um pai de família pedófilo - um pedófilo cobarde? um pedófilo com vergonha de si? Uma potência impotente que choca! "Stilllben" - o still vem desta paralisia moral - é bem sucedido a teorizar sobre todas estas ideias, sociológica e psicologicamente densas, mas, enquanto objecto cinematográfico, ao pé de qualquer um dos filmes aqui citados, sai algo anulado, como que contaminado pela frieza das suas "teorias". Acaba esta teorizada "passividade destrutiva", a única coisa que se retém de "Stillleben", por retirar brilho e dar pouco ou nenhum espaço às formas desta teoria-filme? Infelizmente, arrisco dizer que sim.
(Este filme passou hoje pela segunda vez no IndieLisboa. Mesmo que este seu filme não estreie em sala, ficamos, daqui em diante, com este realizador debaixo de olho.)
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