segunda-feira, 7 de maio de 2012
Take Shelter (2011) de Jeff Nichols
Não posso esconder aqui que as expectativas eram altas, altíssimas. "Take Shelter" tinha tudo para ser aquela segunda obra que faz voar um cineasta que logo na sua primeira longa, "Shotgun Stories", revelava "mão" sobre os tempos fílmicos, uma apurada cadência dramática e uma certa visão cosmológica sobre os "laços de sangue". Faço esta introdução e, o leitor já sabe, antecipo um "mas" - onde cairá esse "mas" aqui? Cairá não já, porque preciso de dizer que esta segunda obra de Jeff Nichols - a terceira, "Mud", será mostrada em competição no festival de Cannes que se avizinha - fez-me divagar, uma boa divagação, por sinal: pensei em Shyamalan e na forma como este se livrou da "marca" Spielberg nos seus dramas familiares cósmicos/metafísicos, sobre a finitude da fé contra a infinitude do universo, sobre o homem na sua situação e Deus acima ou abaixo de todos os homens e de todas as situações. Jeff Nichols avança por territórios já desbravados, e bem desbravados, aliás, em filmes como "Signs" ou (menos bem...) "The Happening".
No entanto, Nichols sabe também ele demarcar o seu território e rapidamente se desenvencilhar de qualquer "marca" Shyamalan, pois, por muito que esta seja única e maravilhosa, dificilmente se "delega" ou endossa a outrem - o pastiche shyamaliano é uma fórmula demasiado complexa para isso, parece-me. Enfim, Nichols se calhar nem (re)viu os filmes de Shyamalan para conceber este seu drama, que, de um modo surpreendente, consegue fazer uma curiosa ponte com o seu filme anterior. As imagens da caçadeira ou do cão são símbolos fortíssimos nos respectivos filmes, se a primeira indica uma arma de defesa ou de ataque, o segundo sinaliza "a tempestade" ou, então, quase que se confunde com a origem da mesma.
Tanto "Shotgun Stories" como "Take Shelter" são filmes sobre um homem a tentar demarcar um território, um espaço que tanto é físico (a casa onde Shannon vive com os irmãos no primeiro, ou com a família no segundo) como mental (o "espaço afectivo" dos irmãos presentes versus o dos irmãos ausentes ou a realidade produzida além-sonho e a tempestade alucinatório que atinge o protagonista). Há, portanto, em ambos, uma tensão, condicionada por um muito clássico deadline, que se traduzirá na resposta à questão: até onde vai Shannon, o calado e intempestivo Shannon, movido pela sua incontrolável e imparável obsessão? Conseguirá ele "isolá-la" do mundo? Será ele colhido pela "tempestade" ou produtor da "tempestade"?
A presença de Shannon em "Mud" leva-me a pensar que Jeff Nichols prepara um tríptico, mas até lá temos de lidar com este díptico em forma de drama tempestuoso e obsessivo centrado num homem e a linha imaginária que este traça - nesta espécie de monólogo interior constante, de si para si - para separar o seu domínio do domínio dos outros. Preparem-se, portanto, para questionar também os vossos próprios "limites" nos dois filmes e, neste particular, não se deixem seduzir demasiado pela cadência rumorejante de tudo ou pelos pesadelos delirantes de "Take Shelter", porque o que activa aqui o modo defensivo é a loucura, ao passo que em "Shotgun Stories" é a ira - dois sentimentos, dois "estados de alma" que andam pacificamente de mãos dadas, não é assim?
Então onde cai o "mas", que tarda, neste texto? Talvez no facto de Nichols não se conseguir conter tanto quanto deveria na dissecação de uma cabeça perturbada e procurar, perto do fim, encontrar uma razão mais ou menos esotérica para todas aquelas visões. Não estou aqui a dizer que ele nos dá "a resposta" - isso seria demasiado básico -, mas que, no limite, não fugisse ao rumo daquele que já é o seu cinema - sente-se que há um cinema plenamente constituído e só lá vão dois filmes, algo muito meritório. E que rumo é esse? O rumo down to earth, calado, mas inquieto, contudo, sem "grandes perguntas" vindas dos céus, mas apenas interrogações suscitadas sempre com os pés assentes na terra, a partir de onde o céu e as nuvens só servem, por norma, para confirmar ou desmentir a meteorologia.
"Take Shelter" naufraga um pouco perto do fim nos delírios do protagonista, ou melhor, cai na tentação de "exteriorizar" esses delírios, passando estes a suscitar uma grande interrogação que se confunde (e quebra) com o tecido frágil do filme - mata de vez o rumor instável e lança uma tempestade "cabeça fora" de dimensões bíblicas. Portanto, prefiro escrever aqui que "Take Shelter" é um filme de "mas" adiado até que se torne mais claro, e se defina melhor, o caminho deste talentoso jovem realizador. Até lá, passamos bem na companhia destas boas interrogações.
("Take Shelter" ante-estrou-se hoje no IndieLisboa. Será exibido comercialmente a partir do dia 17 de Maio. A não perder.)
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