terça-feira, 5 de junho de 2012

Les parapluies de Cherbourg (1964) de Jacques Demy


Sim, "Minnelli revisitado", pois claro. Será assim mesmo que se pode resumir o trabalho de Demy em "Les parapluies de Cherbourg"? Não creio que se possa ficar por aí, sobretudo, quando estamos num musical onde não se dança e apenas se canta. Mas cantam-se canções como em Minnelli? Não, cantam-se diálogos ou os diálogos cantam-se. De qualquer modo, detectamos aqui algo de extraordinário: no filme de Demy, não se dialogam "canções" mas cantam-se os diálogos, já que estes não obedecem, necessariamente, à gramaticalidade da canção (que estrutura? Que refrão?), eles são ditos "cantando-se". Demy parece levar a sério este princípio: a musicalidade não está no que se diz (que pertence, é fácil de ver, à realidade do filme), mas no modo como se diz (que pertence, como está claro, à realidade delirada do filme) - e esta é uma diferença fundamental, desde logo, com o musical clássico de Hollywood.

Por outro lado, podemos dizer que não se dança. Certo? Aqui coloco uma hipótese que diz que "não, aqui, dança-se", mas não como num filme de Minnelli: não são os corpos que se põem em movimento, eles apenas põem em movimento/em ritmo as palavras "banais" que dizem uns aos outros. Mas será só isso? Na minha opinião, também se dança em "Les parapluies de Cherbourg" tal como também se fala como quem canta - mas não exactamente cantando-se canções. Todavia, essa dança é puramente temporal: de cada mês, de cada estação passamos para o mês e a estação seguintes, às vezes o filme detém-se ali, mas o tempo nunca descansa, é irrequieto e tem pés de bailarina - e, neles, os sapatos vermelhos de Powell & Pressburger? Demy faz da elipse uma oportunidade para o tempo se expressar, rodopiando e saltando e, em suma, voando daqui para ali, com uma leveza e uma "naturalidade" que reconhecemos, por exemplo, num Gene Kelly ("Singin' in the Rain"). O tempo é o elemento dançante neste romance belo e comovente entre um casal que partilha um amor maior que a possibilidade da sua existência (só Deus sabe...).

À medida que as palavras se naturalizam nesse registo "cantado", a fantasia vai esmorecendo e é aí que sentimos Demy como um cineasta do seu tempo e da sua geração, não um guloso realizador francês, lunaticamente deslumbrado com as fantasias technicolor do grande Minnelli; desejoso de também ele se provar capaz de comer uma dessas fatias fartas do bolo mais chamativo da festa: o musical clássico, precisamente. "Les parapluies de Cherbourg" é um filme da Nouvelle Vague, porque também aqui falamos de um homem e de uma mulher à deriva, em processo de ruptura com o mundo, por causa de um amor que o e os transcende, que está sempre adiantado em relação ao tempo (ela não se deve casar já, porque ainda é muito nova, diz a mãe; ele não pode ficar com ela porque está na idade de ir para tropa, etc.).

O último plano - de grua, tinha de ser! - parece simular o "fim de festa" dos filmes americanos, mas, depois daquelas últimas singelas - demasiado singelas - palavras trocadas entre o casal "traído pelo destino", nada resta que não esse gesto vertical de realização - muito mais espacial do que temporal - que sinaliza o fim dos saltos e dos rodopios distractivos dessa terceira personagem, a única que baila - mas como baila e como parte corações! -: o tempo.

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