No fim, até a ideia de "Destino" ou de "Missão", quando as naves colidem, parece estar ali plasmada, naquelas imagens feitas pelo homem que um dia, deus ex machina, realizou uma das maiores obras-primas da ficção científica e do terror. Scott está velho e é ele que eu vejo naquela personagem interpretada por um Guy Pearce "sumido" na sua própria maquilhagem de multimilionário apodrecido pelo tempo (que bizarria!), o tal entrepeneur enigmático que montou toda a operação por trás de "Prometheus". O make up é tão falso quanto a confusão das suas motivações, entre o tal egoísmo puro - "quero viver mais!" - e o sofisticado projecto existencialista - "quero conhecer o Nosso criador!" e saber "a Verdade!".
A retórica de "Prometheus" é uma valente trapalhice, mas não é inocente. Não se deixem enganar pelo espectáculo CGI, porque as intenções das personagens são confusas - e isso nota-se no filme - tanto quanto as intenções de quem realiza e produz o filme são de uma nitidez total - e isso, por muito que tivessem lançado dólares sobre o assunto, é mal disfarçado também ali mesmo, no tecido das imagens... Com efeito, a cientista - a nova Ripley - acredita em algo maior e é esse "algo maior", tão cósmico, mais cósmico que o próprio universo (ele parece pequenino ao pé de tamanha fé, não é?), que começa por cortar completamente com a raiz de "Alien", filme no espaço, mas também filme subterrâneo, onde as naves, feitas de corredores exíguos e labirínticos, parecem esgotos pestilentos, onde o medo - muito "urbano" - pelo bicho a bordo e a esterilidade indesejada de Ripley - que acaba por o adoptar como "filho bastardo" - servem de subtexto à sua tagline poderosamente nihilista: do espaço profundo e abissal, ninguém nos ouve, ninguém nos quer... o "alien" somos nós, sempre. ("In space no one can hear your scream".) "Prometheus" diz "não, no espaço há um Alguém que nos ouve", que zela por aquilo que esta humanidade pouco "prometeica" - afinal, Deus é o abrigo... - faz nos confins do espaço.
Ridley Scott envelheceu, perdeu a irreverência e, pior que tudo, "beatificou-se". Deu uns passos atrás, benzeu-se entretanto, e tornou-se pio, finalmente. A ideia de ameaça - conceptualizada em "Alien" - tornou-se em "Prometheus" num pro forma inútil, porque a "fé" e a "justiça" salvarão o dia. Aliás, e espetando eu aqui mais um alfinete, parece-me particularmente irónico que num filme em que a protagonista é uma cientista que acredita em "algo maior" - afinal, no espaço alguém nos responderá, mesmo que esse alguém, por embirração ou convicção, escreva habitualmente "por linhas tortas" - se ponha à venda uma monstruosa retórica de fé, que se consubstancia no seguinte: primeiro, Scott e amigos procuram convencer-se a si próprios que vale a pena prolongar o estado moribundo de um franchise com quase 40 anos de existência; segundo, Scott e amigos tentam convencer o espectador a ter "fé" nesse convencimento.
Exercício de fé no filme e do filme, isto é, "Prometheus" é marketing puro, logo, uma negação cinematográfica - as imagens não se demonstram, mostram-se, os filmes não são "convencidos", são "ditos", realizar é "fabricar" algo, não "vender" esse algo (o vender não deverá passar do cartaz, do trailer e da bonecada, isto é, deve ficar, sempre, por uma questão de MORAL, à porta da sala de cinema). "Prometheus" está tão auto-consciente desta operação, operação que o comanda durante as suas duas horas e picos de duração - o tal "convencer a ter fé" -, que chega a ser irritante a forma como se esquece de "criar personagens", ou só cria personagens estúpidas (exemplo dos outros "cientistas" a bordo, nomeadamente, o "bad boy" enjoadinho que é namorado da protagonista e o incongruentemente grosseiro geólogo de serviço) ou se escusa de dizer algo novo, feita que está a reafirmação de uma sentença já mil vezes debitada.
"Alien vs. Predator" foi uma batalha difícil de superar (ainda que eu ache Paul W.S. Anderson, actualmente, um cineasta mais interessante que Ridley Scott), mas agora "Alien" bate-se com o seu criador em "Prometheus", filme sobre "Criadores", altos e super-humanos, a levarem uma boa puxadela de orelhas por parte do paizinho lá do céu, aquele que a mulher da ciência "carrega" ao pescoço num símbolo que põe em sentido todo o Universo. Em 1979, mas também em 1993, no filme mais religioso e mais agnóstico da saga realizado por Fincher, não havia sermões destes e de nada valiam as bênçãos e as superstições, tão pequeninas, tão irrelevantes, do homem face à escuridão infinita do espaço. Era só ele, o homem, contra o Alien, mas agora, hold your horses!, "Alien" luta contra outros "predadores" e contra um todo-poderoso Deus. O homem, o Homem, está sempre a salvo. Não há desafio, apenas retórica de fé, retórica da publicidade e do make up ou, para sermos mais exactos, do make believe.
1 comentário:
Estive a ler também o comentário ao Alien 3. Não fazia ideia que tinham alterado o final :S
Quanto a este, gosto que seja um filme completamente distinto do Alien, não via interesse em repetir aquela fórmula já usada de forma perfeita, um pouco há semelhança do Predators que me pareceu igual ao Predator mas com mais coisas e maiores.
Dentro deste registo Prometheus tem o seu interesse, nomeadamente na personagem de David, a mais bem conseguida de todos. Muitos dos outros são sofríveis. Enfim, é pena, podia ter sido mais. Ainda assim gosto de andar a discutir teorias darwinistas e do design inteligente, graças ao filme ;)
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