"Akibiyori"/"An Autumn Afternoon" (1960) de Yasujiro Ozu
Falemos agora de cinema, quer dizer, do "cinema dos outros". Que escolhas sobressaíram nas diversas listas individuais com os "melhores filmes da história", publicadas recentemente no site do BFI? Que impressões é que a minha retina cinéfila registou? Como já fiz antes, proponho irmos por partes.
Desde logo, destaco naturalmente as listas nacionais, elaboradas por programadores, críticos e académicos (já agora: quais?). Não quero estar aqui a discutir se a selecção acabou por ser representativa da opinião cinéfila nacional (mas não aguento: e Francisco Ferreira, João Lopes, Mário Jorge Torres ou, partindo do pressuposto que não estará na lista dos realizadores, João Mário Grilo?): o que importa é olhar para o que está. E de "o que está" destaco três listas: a de José Manuel Costa, Luís Miguel Oliveira e Augusto M. Seabra.
Já falei da segunda, muito genericamente, aqui, mas só agora temos acesso ao "comentário" do crítico e programador da Cinemateca. Gosto da solução final - expressão infeliz minha, mas nem tanto, como já verão - que o Luís Miguel Oliveira encontrou, pensando o moderno a partir da era clássica, como uma espécie de decorrência ou pináculo da mesma, ideia que seria cara a um Rohmer, para quem o moderno era a apoteose do clássico, ou nada estranha a Jacques Rancière, um dos ausentes de peso nestas listas da Sight and Sound, que num dos seus livros convida o leitor a encontrar elementos da imagem-tempo nos filmes que Deleuze incluiu na sua obra Imagem-Movimento, tendo como momento-charneira, precisamente, a II Guerra Mundial.
É aqui que entra a minha curiosidade em relação ao primeiro critério que Luís Miguel Oliveira confessa ter ponderado para a realização do seu Top10, passo a citar: "At a point, I thought of only naming films made in 1939 – as the world was torn apart by the beginning of the Second World War, cinema could not bear to remain encapsulated in the dreamland it had created for itself". Ideia que um Serge Daney não descuraria e que seguramente resultaria num exercício que seria proveitoso, pelo que gostaria de sugerir que o levasse a cabo e tornasse público - ou já serão listas a mais? Já agora, gostava de perceber o porquê de tanto cinéfilo mais "academizado" ou, como costumava qualificar Agee, "highbrow" começar o seu comentário criticando os moldes desta iniciativa, não só ressalvando o peso das ausências (isso compreendo perfeitamente) mas acentuando mesmo uma certa "má vontade" na resposta ao desafio. Desde quando, e qual o interesse disso, o cinema se tornou numa coisa tão séria, para não dizer sisuda e solene?
Outra lista que destaco e que irei ter no espírito nas minhas indagações futuras (ainda assim, dos filmes escolhidos só não vi dois títulos) é obviamente a de José Manuel Costa, grande professor universitário de cinema e subdirector da Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema. Primeira nota negativa e primeiro sinal de preocupação em relação ao cuidado investido na organização desta preciosa base de dados: ó amigos ingleses, o que é isso do José Manuel Costa ser crítico e, PASME-SE O LEITOR, de nacionalidade espanhola?! Bem, este é um erro que tem de ser rectificado o quando antes, sob pena de desacreditar todo este esforço, meritório, da revista britânica.
Posto isto, fico contente por ver um Hawks, e um Hawks maravilhoso (ui, que redundância!), bem acima na lista de um académico nacional. Digo isto assim, não por desconsiderar o cinema de John Ford, longe de mim! Mas por já ter defendido que falta entrar uma certa aragem hawksiana na universidade portuguesa - os seus filmes desconcertam o cânone clássico, ao passo que o "fordismo" é um convite pós-griffithiano à sua celebração algo "acrítica". Adoro Ford, não me interpretem mal, mas considero Hawks uma ferramenta do pensamento mais, por assim dizer, "desafiante" e, nos dias de hoje, mais "operativa". Outro destaque, para além da natural inclusão de um Flaherty (tão natural como José Manuel Costa se chamar José Manuel Costa, dirá cada um dos seus alunos da cadeira de Documentário): o primeiro lugar reservado a Ozu e não a qualquer um dos seus filmes da praxe, leia-se, os unânimes "Tokyo Story" e "Late Spring". A estação favorita do vice-director da Cinemateca parece ser outra: o Outono.
Por outro lado, Augusto M. Seabra, o programador da Culturgest e do DocLisboa, conhecido "cronista" da vida pública portuguesa, faz uma lista inesperadamente "by the book", só com filmes "indiscutíveis" e sobejamente amados. Para um divulgador de cinematografias desconhecidas e autores obscuros, encontro pouca "novidade" neste casting. Recomendo, por isso, que se leia a sua justificação e que se procure a verdadeira lista "à Augusto M. Seabra" na referência a nomes como Syberberg, Straub, Munk e Ghatak.
2 comentários:
Curiosamente, tenho a impressão contraria da dicotomia Ford/Hawks na universidade portuguesa. Talvez porque tenha estudado com o Mario Jorge Torres, para quem Hawks era Deus e Ford um cineasta "ah e tal"...
Pois, é possível que se calhar não seja uma situação "generalizada", mas nitidamente a FCSH-UNL é mais "fordista" do que "hawksiana".
Na realidade, gostava de saber como é nas outras faculdades, se alguém nos estiver a ler e poder contribuir nesse sentido, agradecia.
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