terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Il grido (1957) de Michelangelo Antonioni


Tanta beleza deixa-nos sem palavras. Acontece com os filmes mais poderosos do neo-realismo italiano, mas aqui estamos com um pé aqui e com outro mais à frente. Antonioni não é um neo-realista puro e neste filme sobre a solidão, o amor e a pobreza encontramos já as marcas de uma estética moderna à "L'avventura" (o seu filme seguinte), com o predomínio do espaço - na sua infinitude avassaladora - sobre o tempo - linearmente disposto, no caso, realisticamente estendido; com uma certa predilecção pelos rostos mudos, os gestos pequenos - talvez demasiado sufocados nos primeiros filmes de De Sica, por exemplo, pela carga melodramatizante da narrativa. Mas interessa pouco encontrar "lugar" para este filme na história do cinema, na realidade, é bom preservá-lo nesse lugar sempre algo difuso que é o cinema de Antonioni.

Aqui, temos então Aldo, um homem simples de coração destroçado - a mulher que ama quer terminar com a sua história e ele está só e perdido... no espaço. Não sabe para onde ir e o que fazer. E o filme, com avanços e recuos, vai trançando o caminho deste homem, que é pai, que leva a sua filha, para não sabe bem onde. É um caminho induzido pela fuga a um nome, que lhe lembra tempos de felicidade, uma casa onde se sentia bem: Irma, a personagem de Alida Valli, a mulher que não o queria magoar, mas que teve de o deixar para ir viver com outro homem. A traição não é censurada por Antonioni, nem mesmo por Aldo, que só quer andar para à frente, depois parar, andar aos círculos e voltar a andar em frente, como que procurando distrair o regresso desse nome que lhe sai da boca, entre destinos, como um suspiro: Irma.

É um amor profundo este e, por isso, a história de "Il grido" é muito triste: o seu preto-e-branco granítico - onde já se entrevê a experiência revolucionária de "L'avventura" -, muito liso e muito duro, não esconde que esse jeito de amar nem sempre tem o desfecho desejado pelo espectador dos happy endings de Hollywood. O amor de morte, nada grandiloquente, nada shakespereano, também é possível entre casais comuns que não sabem fazer poesia, que apenas dominam a arte de sobreviver num mundo onde a solidão rima com o vazio da paisagem.

3 comentários:

Hoplita disse...

Belo texto. Há um pormenor que acho muito interessante neste filme: Antonioni parece trocar as voltas aos estereótipos que colam a masculinidade à imagem do cowboy, do durão, ao mostrar alguém (Aldo) que se assemelha fisicamente ao tipo que não se deixa afectar por nada, que é duro como uma rocha,(popularizado sobretudo pelo western americano) afinal a sofrer os horrores do desgosto amoroso.

Luís Mendonça disse...

O que dizes é muito interessante e, quanto a mim, serve bem de complemento ao que escrevi. Quer dizer, eu não diria melhor.

O Narrador Subjectivo disse...

Sem palavras realmente. Apesar da explosão de Antonioni ter acontecido com L'Avventura, este e o anterior Le Amiche são já obras maiores.

http://onarradorsubjectivo.blogspot.com/

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