sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Último plano: não haverá plano possível para lá do vilão

"Blue Steel" (1989) de Kathryn Bigelow

"Zero Dark Thirty" (2012) de Kathryn Bigelow

[Impressionante: passados mais de 20 anos, Bigelow retoma a mesma reflexão sobre a condição política da mulher face à violência e às relações de poder. Fá-lo, aliás, de forma magistral em "Zero Dark Thirty", esse filme de guerra com sangue de western na guelra - veja-se o grande assalto final ao "forte Osama". Contrastando com o bom filme falhado "Blue Steel", temos aqui a presença e o rosto de Jessica Chastain, cuja mais ou menos secreta fragilidade emocional é parte indissociável da sua magnífica potência feminina (diria que Jamie Lee Curtis, uma mulher de traços duros, muito mais máscula mas igualmente determinada, é menos potente dentro desse tipo de potência). A diferença entre Lee Curtis e Chastain é que a primeira nos dá pistas sobre uma política no feminino (pode ser comprovadamente uma mulher e até uma mulher bela, mas não é uma mulher feminina), ao passo que a segunda dá um passo em frente em direcção a uma poderosa política do feminino (ela é uma mulher feminina e administra a sua "feminilidade" como um instrumento de poder, shock and awe).
O rosto de Chastain, leve e luminoso (tão afirmativamente não-violento e claro), é o grande contra-campo estético e moral do lado mais obscuro (= que está para lá da mais vulgar maquilhagem político-mediática) da guerra contra o terrorismo. Este contra-balanço é mais evidente em "Zero Dark Thirty", mas o desenlace nos dois filmes aproxima quase ao ponto da indistinção a situação desses dois rostos-ecrãs: depois de morto o grande vilão, que era simultaneamente a sua razão de ser e o ser da sua desrazão, não ficam mais imagens por projectar, senão apenas as de uma existência que entretanto perdeu a sua qualidade fílmica. O filme só acaba depois de vermos desaparecer, num monólogo interior, de si para si, "a" nossa heroína - procurar quem? Resistir a quem? Ou pior: procurar o quê? Resistir a quê? Um final, num plano que já nada planifica (ou melhor: que só planifica ou antevê daí em diante o nada), desencadeado pela consciência de "fim de si mesma" da protagonista.]

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