sábado, 26 de janeiro de 2013
You Are in the Army Now (1937) de Raoul Walsh
Será um dos filmes menos vistos e menos inolvidáveis de Raoul Walsh, mas foi bom tê-lo visto por duas razões: primeiro, porque sedimenta algumas ideias em torno da dimensão autoral do cinema de Walsh; segundo, porque me deu a oportunidade de ver e ouvir, graças a esta edição modesta de dois filmes de Walsh, um walshiano dos bons velhos tempos do Mac-Mahon, Dominique Rabourdin. Bem vistas, estas duas razões interligam-se: na entrevista/apresentação que dá a propósito de "You Are in the Army Now", para além de falar da adoração louca que um grupo de cinéfilos (onde estavam nomes conhecidos como Patrick Brion ou Jacques Lourcelles) prestava aos filmes mais obscuros de um cineasta já de si pouco popular chamado Raoul Walsh nas salas do velhinho cinema parisiense, Rabourdin revela o seu conhecimento profundo da obra do realizador norte-americano, traçando desde logo uma característica intrínseca ao herói walshiano e que está presente neste seu filme menor: a desobediência. Se pensarmos em filmes como "Desperate Journey" e a obra-prima "Silver River", para não falar de quase todos os gangster movies, temos dois exemplos de como Walsh é fundamentalmente um cineasta anti-sistémico, os protagonistas dos seus filmes se estão inseridos numa estrutura militar irão desafiá-la se isso significa fazer bem - para eles, para os outros, ou para ambos.
Nesta comédia semi-burlesca de guerra filmada no Reino Unido, Walsh traz-nos uma personagem que faz da desobediência um modo de vida, desde o momento em que toma o lugar de um homem literalmente apunhalado pelas costas na sequência de uma discussão num casino ilegal gerido por mongoleses, até ao instante em que, já tornado num soldado exemplar - mesmo que debaixo de uma identidade falsa - decide "desertar" do exército britânico. Também de novo, e isso Rabourdin não refere, mas digo-o eu, temos uma personagem que ocupa o lugar de outra, que "troca de pele", que duplica, enfim, a sua máscara interpretativa - o actor interpreta uma personagem que interpreta outra. Já que estou embalado também diria mais: de novo, um herói walshiano sacrifica-se mais ou menos heroicamente, desaparecendo à nossa frente quase ao mesmo tempo em que cai o "the end" sobre a imagem. Como diz Rabourdin, este será o segredo melhor guardado desta obra de Walsh: a forma como o fim deste herói se alonga serenamente num único plano, o último que vemos de "You Are in the Army Now". É um momento estranhamente poderoso, já que de uma comédia ligeira passamos para um registo oposto, quase etéreo, no qual não morre apenas uma personagem mas duas - a personagem e a personagem que esta interpreta... até ao fim! Do corpo morto, duas almas se elevam ou apenas uma? Um plano vale um filme? Vale vários quando é simples e profundo como este.
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