domingo, 6 de janeiro de 2013

Uncertain Glory (1944) de Raoul Walsh


Errol Flynn nunca foi um actor da minha preferência, mesmo quando dirigido pelos melhores, como é o caso dos filmes de guerra que fez sob o comando de Raoul Walsh. "Uncertain Glory" consegue, contudo, fazer da maior fraqueza da super-estrela da Warner numa força, nomeadamente a sua fatal tendência para uma espécie de soberba oca ou cinismo vaidoso. Do rosto de Flynn está sempre um sorriso engatatão e um olhar difuso, para não dizer "vazio". Normalmente é plano tanto quanto é pouco versátil. Um Bogart ou um Mitchum sabe fazer da planura, do rosto e da voz, uma espécie de versatilidade dentro da gama de papéis que lhe couberam. Ora, Flynn não consegue fazer isso, mas Walsh consegue, salvo nalgumas desonrosas excepções (exemplo do inenarrável "Northern Pursuit"), distrair a acção da inexpressividade ou da expressividade linear, básica, deste actor. No caso de "Uncertain Glory" vai mais longe, servindo-se dela "de caras" para fabricar uma personagem completamente imprevisível do princípio até ao fim, alguém tão pouco fiável que mesmo nas suas nobres acções não nos convence minimamente.

Aliás, é comum descrevermos uma má interpretação com expressões semelhantes, do estilo "interpretação pouco convincente". Aqui a personagem quer-se pouco convincente, volátil, intrinsecamente cínica e indecifrável. A confissão de Flynn na igreja, toda ela "a big joke", é redimida numa segunda confissão, na qual Flynn diz que antes a "joke" era afinal ele, que também soa e se evidenciará falsa, montada, interesseira (mais que a primeira) ou gratuita (menos que a primeira). Flynn não diz nada com o rosto, logo, apenas diz para não confiarmos nele ou apenas nos diz que tudo nele é passível de ser projectado - a dúvida será, em potência, a sua arma secreta.

O que acontece em "Uncertain Glory" já acontecera em "Desperate Journey", quando Walsh fazia da "troca de peles" o principal leitmotif do filme, mas neste caso a troca é moralmente mais complexa: um criminoso francês propõe ao inspector Bonet morrer não como um banal homicida, morto pela guilhotina (à francesa), mas como um herói francês da resistência, executado contra a parede, de olhos vendados (à alemã). Tudo resultará de uma espécie de negociação à la "Strangers on a Train" e numa "mudança de peles" no sentido da ocupação de um lugar vazio que urge preencher (o do sabotador que, se ficar por preencher, custará a vida de uma centena de inocentes). O que Flynn neste filme promete fazer - mas não sabemos se irá fazer, porque desconfiamos sempre dele, até mais que as outras personagens no filme... - é tornar-se não no "wrong man" hitchcockiano - com injustiça e desonra - mas num novo "right wrong man" walshiano - com justiça e honradez. O final, demasiado definitivo, é pouco habilidoso face ao jogo de ancas posto em prática ao longo de quase todo o filme, mas damos de barato o lacrimejo retórico e galvanizador num filme realizado no ano em que foi.

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