domingo, 28 de julho de 2013

O Som ao Redor (2012) de Kleber Mendonça Filho


O jogo coral é intenso aqui: uma acção reverbera noutra como os sons, diegéticos e extra-diegéticos, se vão, em sentido quase literal, "edificando". Esta ideia de construção está desde logo plasmada no movimento da câmara, no encadeamento da montagem, nos vários detalhes das pequenas narrativas que despreocupadamente se vão desenrolando, sem procurarem explorar a ansiedade do espectador - apesar de uma certa tensão latente, ao contrário de um Iñarritu, não há aqui nenhum trauma ou evento trágico que liga todas as personagens entre si, nem tão-pouco o filme assentará a sua estrutura naquele que poderá ser considerado o seu principal ou único twist dramático.

Posto isto, temos aqui um cineasta que pensa audio/visualmente o espaço que serve de palco rotativo ao encadeamento das histórias; não só ao registo da vida de um bairro (= ecossistema) suburbano no Recife mas, antes de mais, à construção de imagens e sons que funcionam, elas mesmas, numa vizinhança imperfeita, sempre "em construção".  É também obviamente um retrato social de classes com a mordacidade e um sentido de humor - e terror! - muito próprios, mas decididamente não é aí ou só aí que "O Som ao Redor" se revela um refrescante naco de cinema. Kleber Mendonça Filho trabalha as personagens ao mesmo tempo que à volta e dentro delas (nessas extraordinárias curtas-metragens que são os seus sonhos!) cria uma atmosfera de sentidos (sons, movimentos, cores) no lugar de colar os cacos todos através de uma espalhafatosa "grande narrativa" que justifique e melodramatize tudo o que é dado a ver (à la Iñarritu).

O uso da elipse perto do fim - em torno do desenlace do romance que abre o filme - é um exemplo de como a ânsia de mostrar e ao mesmo tempo justificar ou explorar a realidade sentimental destas personagens pode ser dominada e, com isso e pela surpresa, nos "provocar" mais - e mais coisas. Esta brilhante primeira longa de ficção de Kleber Mendonça Filho pede para ser vista e revista várias vezes. É que o prazer da descoberta deste ou daquele detalhe parece não se ficar apenas pelo primeiro visionamento. Até quando temos nós, portugueses, de esperar pela sua estreia comercial?

Sem comentários:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...