segunda-feira, 29 de julho de 2013

L'inconnu du lac (2013) de Alain Guiraudie


"L'inconnu du lac" é, mais até que o já analisado "Floating Skyscrapers", uma história sobre a homossexualidade como sinónimo não de amor, mas de puro ímpeto sexual. A acção situa-nos numa praia de nudistas perto de uma floresta, onde, entre a vegetação densa, homens de todas as idades se encontram para praticar sexo "sem compromisso". Como acontece com o filme polaco, o que há de mais interessante aqui não é a relação homossexual entre o jovem protagonista e o misterioso homem de bigode, mas antes a relação de amizade (ou será mais que isso?) que se estabelece entre esse jovem e um senhor, de corpo inchado, que todos os dias vai à praia não para ter sexo, mas simplesmente para passar o tempo - e "reflectir", como avança. Ele é (um) estranho, como diz a certa altura o homem misterioso. E é-o porque, precisamente, não age de acordo com os rituais daquela sociedade: para além de não sair da praia, raras vezes tira a t-shirt e nunca vai à água. Se outros verão nele uma "ameaça", o rapaz encontrará nele uma espécie de confidente, um confidente também casual mas que lhe dá afabilidade e uma espécie de "palavra fraterna" em vez de sexo ou oportunidades de voyeurismo ob-sceno.

Ao invés de investir mais nesta relação "fronteiriça", entre o mar e a floresta, Guiraudie prefere insistir em cenas de sexo que alternam entre um lirísmo piroso, com corpos filmados em contra-luz, como que recortados num céu de fim de tarde, e uma bruteza pornográfica "in your face", como o grande plano do pénis a ejacular. Das cenas passadas na floresta, a meu ver, apenas numa, de facto, o realizador francês consegue algo mais que apenas a mera ilustração soft porn deste romance gay "de catálogo".

O casal do filme conversa nu, cercado pela vegetação densa, numa cena de intimidade e não de sexo exibicionista… quer dizer, isso julgávamos nós até ao momento em que no diálogo em clássico campo/contra-campo irrompe, em off, uma terceira personagem. Um dos elementos do casal interrompe a conversa "íntima", "privada", para pedir ao voyeur que pare de espreitar. Aí Guiraudie quebra o momento, faz implodir o seu intimismo, qualquer possibilidade de privacidade, e mostra-nos o homem que se masturba "em cima" daquela cena. Em certo sentido, quando o casal afasta o terceiro elemento, ele está a dirigir-se a um fora de campo que permanentemente os vê e os expõe. Esse fora de campo pertence, por inteiro, ao espectador, esse voyeur pervertido que come com o olhar as "imagens dos outros".

Fora a demagogia do sexo, o auto-comprazimento pela provocação "queer" - por que será que a formação da identidade homossexual parece requerer constantemente o recurso a um básico efeito choque? -, este filme oferece-nos uma reflexão interessante sobre quão relativas podem ser as regras em comunidade, ao ponto do espectador se sentir "posto em causa" por essa súbita condenação "moral" daquilo que, no início, era a principal fonte da libido: o poder ejaculador do olhar. Não haja dúvidas de que "L'inconnu du lac" só supera a mediocridade quando se vira para nós, espectadores, e nos implica não pelo sexo mas precisamente pela sua ausência, pela confusão entre o que pertence ao domínio da privacidade e aquilo que pode ser "objectificado" pelo olhar alheio, em público. Pergunta: seria possível realizar esta história sem as cenas de sexo explícito?

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