quinta-feira, 15 de julho de 2010

Programação de cinema na RTP2 (IX): uma carta de Laughton

De novo, Laughton em "Witness for the Prosecution" (1957) de Billy Wilder

Perguntei ao nosso excelso jurista Charles Laughton como é que a lei portuguesa define a figura da petição pública. A resposta veio em carta lacrada escrita à mão pelo insigne advogado - Laughton é MESMO um fulano do século passado. Tento traduzir aqui a sua resposta:

Caro Luís,

Folgo em saber que tenciona avançar com esta nobre causa. Ainda hoje me pasmo com o facto de haver no mundo uma estação de serviço público que não passa um filme em que eu entro, ou a obra-prima que realizei*, num período superior a 365 dias. Inaceitável!

Bem, quanto ao seu pedido, transcrevo de seguida o disposto no artigo Artigo 2.º, número 1, da Lei n.º 43/90: "Entende-se por petição, em geral, a apresentação de um pedido ou de uma proposta, a um órgão de soberania ou a qualquer autoridade pública, no sentido de que tome, adopte ou proponha determinadas medidas". No seu caso, as medidas reivindicadas são claras: mais conteúdos de cinema na grelha programática do segundo canal. Poderá ou não especificar que tipo ou de que forma esses conteúdos deverão ser tratados, à luz daquilo que a lei define como serviço público.

Quanto ao destinatário da petição, sugiro que pondere os seguintes: Ministro dos Assuntos Parlamentares Jorge Lacão, figura que tutela a televisão pública nacional; a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e/ou Ministério da Cultura.

Quanto aos requisitos para a subscrição, lê-se no Artigo 6.ª, número 3: "Os peticionários devem indicar o nome completo e o número do bilhete de identidade ou, não sendo portador deste, qualquer outro documento de identificação válido". Lembre-se também que, quanto à forma, o Artigo 9.º estipula, nomeadamente no número 3, que "O direito de petição pode ser exercido por via postal ou através de telégrafo, telefax, correio electrónico e outros meios de telecomunicação". Não se esqueça: é mister que o objecto da petição seja o mais claro e concreto possível sob pena de indeferimento (Artigo 9.º , número 5 e Artigo 12.º da mesma lei).

Mais alguma questão, tem a minha morada - olhe, estive a pensar e se calhar queria que me pagasse os honorários com uma dessas maquinetas modernas que mandam cartas pela corrente.

Seu,

Sir Charles Laughton


*- O autor refere-se a "The Night of the Hunter" (1955), film noir com Robert Mitchum que, apesar de maldito no seu tempo, é hoje considerado uma dos filmes mais plasticamente assombrosos na história do cinema - muito graças à realização de Laughton, a única na sua carreira, e da fotografia "miraculosa" do grande Stanley Cortez. Recentemente, os Cahiers du Cinéma premiaram-no com a medalha de prata numa lista dedicada aos 100 filmes mais belos do mundo.

Sem comentários:

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...