sábado, 12 de janeiro de 2013

Modernidade? O elo que liga o motel do filho à casa da mamã

Alfred Hitchcock, "Psycho" (1960)

(...) the architectural locale of the two murders is by no means neutral; the first takes place in a motel which epitomizes anonymous American modernity, whereas the second takes place in a Gothic house which epitomizes the American tradition. (...) This opposition (whose visual correlative is the contrast between the horizontal - the lines of the motel - and the vertical - the lines of the house) not only introduces into Psycho an unexpected historical tension between tradition and modernity; it simultaneously enables us to locate spatially the figure of Norman Bates, his notorious psychotic split, by conceiving his figure as a kind of impossible 'mediator' between tradition and modernity, condemned to circulate endlessly between the two locales. (...) It is on account of this split that Psycho is still a 'modernist' film: in post-modernism, the dialectical tension between history and present is lost (in a postmodern Psycho, the motel itself would be rebuilt as an imitation of old family houses).

Slavoj Žižek, 'In His Bold Gaze My Ruin is Writ Large', in Everything You Always Wanted to Know about Lacan (But Were Afraid to Ask Hitchcock), NY/London, Verso Books, 1992, pp. 231-232

A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno retorno e o imutável. 

Charles Baudelaire, O pintor da vida moderna, Lisboa, Passagens, 2004

5 comentários:

Hoplita disse...

Está bem visto.
Norman, o elemento pendular, aquele que se desloca entre dois espaços e dois tempos. Espaço do motel, espaço fluido, transparente e poroso. Espaço da mansão, espaço segmentado, obscuro e impenetrável. Tempo da volúpia, marcado pelo orifício por onde espreita sadicamente para o quarto da hóspede. Tempo da mumificação e da quietude, vincado por um fechamento ao exterior, inexpugnável ao olhar.
Hitch tornou possível o cinema ao nível de uma psiconáutica.

Luís Mendonça disse...

Sim, o que a modernidade produz é uma separação (é o "split" lacaniano ou psiconáutico de que falas) entre o antigo e o novo. Ela divide a arte em dois: de um lado, o contingente e o transitório (não é isso que materializa a figura de um motel?) e, do outro lado, o imutável e a repetição (não é isso que materializa a figura da mansão gótica da mãe?).

Por um lado, temos o gosto pelos gestos fugazes e as narrativas ocasionais (cinema moderno) e, por outro lado, temos o eterno reconhecimento das/pelas formas fixas, eternamente replicáveis (cinema clássico).

Como dizia Rohmer, o cinema moderno é a apoteose do clássico - e talvez o dissesse no sentido deste reconhecimento: o cinema fez-se moderno para "melhor servir" (no sentido que lhe dá Norman Bates em "Psycho") o cinema das mamãs ou, no caso, dos papás.

A questão do corpo morto, mumificado, - do corpo icónico, que é puro ícone - lembra-me um texto do Daney sobre a importância, quase senatorial, dos corpos dos grandes autores clássicos nos primeiros filmes da Nouvelle Vague: sei lá, Melville e Tati em "À bout de souffle", Lang em "Le mépris", Fuller em "Pierrot le fou", etc.

Obrigado pelo contributo, Hoplita.

O Narrador Subjectivo disse...

Gostei da lógica de continuidade que isto pressupõe entre modernismo e pós-modernismo. Pode o moderno passar a clássico? Talvez se começar a ser replicado. Mas é um desafio tentar perceber o lugar de um Antonioni no meio disto.

Luís Mendonça disse...

Isto pode parecer muito teórico, mas o exemplo que dás até é bastante bom.

O Antonioni tem uma relação muito evidente com algumas das fórmulas clássicas, nomeadamente com o modelo do thriller. "L'avventura" e "Blow up", por exemplo, são filmes que parecem traçar essa "viagem", tecendo um plot por um lado (na casa da mamã) para se perder em deambulações ocasionais, transitivas, inapreensíveis por outro (no motel do filho).

Há um cinema que nunca encaixará bem nesta tese que é o cinema avant-garde norte-americano dos anos 50/60. Salvo algumas excepções, este cinema parece negar - ou ignorar - completamente o classicismo norte-americano. Aqui o conceito de vanguarda será mais útil, para o distinguir de moderno...

João Palhares disse...

L'Aventura = Psycho

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