sexta-feira, 12 de julho de 2013

CINEdrio Meets A Culatra Meets Luís Miguel Oliveira



O exercício de criticar a crítica, que estimulei bloggers e cinéfilos a porem em marcha, por exemplo, aqui e aqui, não deve ser confundido com o exercício de "desancar no crítico", nem mesmo me referia a uma crítica ao crítico, pelo menos de uma maneira fulanizada. Claro que não é proibido e também me parece evidente que uma crítica ao crítico pode ser um bom passo intermédio para se chegar a esse confronto entre "maneiras de ver" o mesmo objecto. Precisamente para chegarmos ao ponto que interessa, gostava que o redactor do artigo «A Culatra Meets Luís Miguel Oliveira», o Sr. Antero, fizesse uso do seu "conhecimento na área específica cinematográfica" para desmontar as posições que o citado crítico de cinema tem assumido contra o cânone dominante de Hollywood, isto é, dos super-blockbusters, baseados em bandas desenhadas ou/e na estética best seller, da publicidade, dos videoclipes e dos videojogos.

Dir-me-á que se limitou a "ler" o perfil e estilo do crítico em questão, mas, para além disso e interpreto eu, procura pô-lo em xeque, como que dizendo, ante o mundo, que "o rei vai nu". Mas quando Luís Miguel Oliveira (LMO) diz que um "The Dark Knight Rises" é um filme ideológico (no pior sentido do termo), quando diz que um "Slumdog Millionaire" cheira a merda (no seu sentido olfactivo sem termo), está a chegar a ou a partir de uma posição muito mais substancial e, não tenho medo da palavra, útil que a posição de que não chega a partir ou a chegar a crítica tipicamente descritiva, apolitizada e "mole" que replica, de modo mais ou menos sofisticado, o modelo dos press releases com uns pózinhos de análise narrativa, cultural ou de indústria/comercial. Aliás, a pergunta que deve ser feita - e que talvez este redactor deve fazer a si mesmo antes de mais - é: "o que deve ser a crítica de cinema? O que e para que serve?" Eu acredito na crítica de cinema, talvez hoje mais do que nunca!, como uma forma de resistência, uma tentativa de parar estes tempos de aceleração mediática, de consumismo acéfalo de imagens que se confundem com marcas, marcas que se confundem com imagens; enfim, tempos em que os espectadores se confundem cada vez mais com consumidores.

Ao arrepio da ditadura mediática da actualidade, não me parece reprovável que as referências de LMO, ou boa parte delas, venham dos "tempos antigos", como escreve o Sr. Antero com um inexplicável despeito. Então não será parte da função da crítica invocar e evocar a memória do cinema, debruçar-se sobre o presente com a consciência firme do que está para trás? Não é dever da crítica pôr a história do cinema (o seu passado) ao serviço do seu desenvolvimento presente? Não é dever da crítica apontar esses caminhos, abrir esses horizontes, ao leitor? Dir-me-á o Sr. Antero: "Mas uma coisa é evocar o passado, outra coisa é viver-se no passado, como se só lá estivessem as grandes obras, os grandes autores". Penso que aqui batemos de novo contra o perfil do crítico e a capacidade do leitor para o compreender - talvez a crítica do crítico deva produzir uma justa e avisada auto-crítica no leitor, ou tenha, em potência, a capacidade para estimular nele essa coisa chamada inteligência, isto é, a capacidade de "compreender antes de afirmar"... No caso de LMO, da sua formação clássica, da sua veia diria museológica [no sentido imagi(n)ário de Malraux], é natural que ele próprio atribua a si mesmo um papel que tempera o conservadorismo (afinal, no museu, imaginário ou não, "conservam-se" obras), a prudência e o bom senso com uma exultante e contagiante capacidade de descobrir e dar a descobrir novos e diferentes universos (aliás, basta ler o texto que escreveu sobre o último Brisseau para se perceber como é por estes lados que tem morada o derradeiro reduto da crítica de cinema onde ainda é possível a paixão cinéfila, assim mesmo: "à antiga").

 O que LMO tem vindo a dizer - ia escrever, e talvez bem, "a denunciar" - é aquilo que uma fatia importante de quem vê, segue e lê sobre o cinema tem sentido não tanto com "raiva" mas com igual saturação ou mesmo desencanto. Essa fatia da população não tem é um fórum com a dimensão do Ípsilon, por isso, em certa medida, LMO é o embaixador de uma minoria, uma minoria que me parece ser francamente esclarecida - mesmo que não fosse, sabemos como em democracia as minorias devem ser sempre protegidas. Por exemplo, LMO fala do "fastio", da "maçada", do "cansaço" que lhe provocam alguns dos blockbusters "infantilóides" que monopolizam a oferta fílmica nas nossas salas. O Sr. Antero recorta os adjectivos ou as adjectivações, tira-os ou tira-as do contexto e parece que a prosa de LMO se resume a isso. Isso não é verdade, mas mesmo que fosse, na essência, não trairá aquilo que muitos ou alguns de nós, cinéfilos, sentimos face à generalidade do mainstream americano. (Pessoalmente, gostava que alguém escrevesse preto no branco, porque seria até sinal da sua independência, que os blockbusters americanos da actualidade são puro lixo fílmico - garanto que, aplicando o princípio da dominante, não estaria a comprometer o meu rigor em 80% ou 90% dos casos. Os críticos que não querem enfrentar esta realidade, que "douram a pílula" para não perderem as benesses das principais distribuidoras/anunciantes, são, na minha opinião, actores de uma farsa ideologicamente perversa.)

O Sr. Antero chega a reduzir a seguinte reflexão em torno de "Man of Steal" a uma mera manifestação de um "preconceito" ou mesmo de "ódio": "um frenesi permanente, uma sucessão de estímulos visuais e sonoros que são um fim em si e em caso algum um instrumento para a construção de qualquer coisa que valha a pena confundir com ideias de mise en scène ou de dramaturgia". Na minha opinião, o que LMO faz aqui é não a manifestação de um preconceito ou a sublimação do seu (suposto) ódio anti-comercial ou anti-Hollywood, mas - acho que o tiro, Sr. Antero, lhe saiu pela culatra... - a afirmação de uma visão sobre o cinema, coisa que falta a muitos outros críticos da nossa praça, que se limitam a reproduzir "hypes" ou a reformatar informações de press releases.

Uma visão, neste particular, não muito distante da que tem um veterano crítico da New Yorker (norte-americano, imagine-se!) chamado David Denby. No capítulo «Conglomerate Aesthetics: Notes on the Desintegration of Film Language» do seu livro de 2012 Do the Movies Have a Future?, escreve: "The language big movies are made in - the elements of shooting, editing, storytelling, and characterization - is desintegrating very rapidly and in ways that prevent the audiences from feeling much of anything about what it sees". Mais à frente, aproximando-se de muita coisa diagnosticada (levianamente, diz o Sr. Antero) pelo crítico LMO, assevera: "The studios and filmmakers may have gone a little too far in emptying out meaning. What we have now is not just a raft of routine bad pictures but the first massively successful nihilistic cinema". Sobre o "frenesi permanente" não se fica por meias palavras: "Big movies are now full of needle-nosed flying pteranodons and cars on fire floating through the air (at a recent year-end critics meeting, one reviewer suggested an award to the "best shot of a couple holding hands as they run away from an exploding building")".

Face a isto, a minha sugestão - se me é permitido dá-la ao Sr. Antero - é que se passe agora da crítica ao crítico para uma crítica à crítica, uma a uma, em conjunto, como quiser, mas que fundamentalmente se abra o debate sobre os por quês da necessidade que o Sr. Antero e seus iguais sentem em defender a "estética dos conglomerados", ou o filme X ou o filme Y que entedia ou molesta este ou aquele crítico. Também me ficam algumas dúvidas sobre o que deve ser a crítica de cinema segundo o Sr. Antero. Eu posso avançar desde já com a minha posição: a crítica deve articular um pensamento, colocar-se numa posição não de subserviência aos gostos instituídos (pela indústria, pelos media) mas, desassombrada e prudentemente, de resistência a tudo o que é vendido como um produto acabado e indiscutível.

Da mesma maneira, acho, tal como o crítico Roger Leenhardt sugeria, que à crítica compete a função de dar ao espectador as ferramentas de que este precisa para aprender a ler o cinema directamente "no texto", ao invés de o "apanhar no ar" como "a tradução de uma língua estrangeira". Desmontar o subtexto ideologicamente minado de "The Dark Knight Rises" ou a estética demagógica da pobreza (aquela que, resumindo e concluindo, cheira de facto a merda) de "Slumdog Millionaire" passa, a meu ver, como um contributo importante, ou mesmo decisivo (até porque "a crítica" é uma ideia feminina...), para a formação não só de melhores espectadores como, acima de tudo, de uma sociedade civil mais esclarecida e criticamente activa.

3 comentários:

Anónimo disse...

A Culatra são só duas pessoas a tornar-se precisamente aquilo que criticam: pessoas pedantes que escrevem críticas.

Anónimo disse...

Tendo em conta que o pedante é um homem ou mulher formalista que se preocupa com minúcias, acho muito feio chamar formalistas às pessoas cujos textos analisamos. Nós nunca o fizemos por alguma razão.
Obrigado por nos ler.
- Reles

B. disse...

O Culatra devia chamar-se a Latrina. Tenho pena que ainda existam pessoas recalcadas que a única coisa que conseguiram criar foi uma crítica à crítica, além de que a forma como o espaço em questão é escrito deixa muito a desejar. É triste quando as pessoas se põe num pedestal e fazem exactamente o mesmo que putos de 13 anos que viram pela primeira vez uma miúda, mas como não a podem ter ou não sabem o que fazer, vão gozar com a mesma. Em suma, quem desdenha quer comprar. E o Culatra aka Latrina não é mais do que um espaço de putos hipsters que querem aparecer e usar a má língua para se promoverem. Quando conseguirem sustentar online um espaço por mais de 7 ou 8 anos, sem receberem nada e tendo vida própria (que não devem ter para se darem ao trabalho de ler tanta coisa e criticar, comecem aí a escrever algo, nessa altura lerei com todo o gosto e dar-vos-ei alguma credibilidade. Mesmo que pouca.

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