domingo, 21 de abril de 2013

Paradies: Glaube (2012) de Ulrich Seidl


Segunda parte da trilogia "Paraíso" que Ulrich Seidl realizou quase de uma assentada apenas, em pouco mais de um ano. A protagonista, Anna Maria, é irmã de Teresa, a "turista acidental" do tomo anterior, mas a ligação pouco importa para o desenvolvimento desta história de fé, sacrifício e revolta. Como em "Paraíso: Amor", encontramos uma narrativa parabolizada e hiperbolizada subordinada a um tema - "fé", neste caso - que vai sendo desfiado por dentro à medida que a protagonista se embrenha nas suas próprias contradições. A câmara de Seidl comenta desde o primeiro plano, num gozo sádico sempre muito "controlado", os rituais levados a cabo por esta mulher que dedica parte importante dos seus dias a "evangelizar", porta a porta, os seus compatriotas austríacos. Diz que a sua missão é tornar a Áustria numa nação católica.

Seidl procura sempre uma situação bizarra e grotesca como pre-texto de uma qualquer solução visual (pretensamente) espirituosa e provocadora, reduzindo as suas personagens a uma degradante existência anedótica. Seidl esforça-se por parecer escandaloso e ultrajante, a sua heresia - afirmação de uma superioridade moral do realizador no seu mundo plastificado - acaba contudo por ser tão artificial e unidireccional quanto as personagens que tem à frente. (Dava para citar aqui o célebre texto de Truffaut, "Uma certa tendência do cinema francês", nomeadamente a parte que denuncia a mui estratégica "pose herética" dos papás conformados da Tradição da Qualidade.)

Face a "Amor", volto a sentir a mesma repetição fácil de ideias e formas, o mesmo gosto por "teatros infernais" feitos de personagens unidimensionais, que agem no sentido de um paroxismo estético e ético. Seidl põe a realidade em reverso, pega no "amor" e transforma-o numa "violação" racista dos corpos, pega na "fé" para nos falar em fanatismo, hipocrisia e desolação - tudo converge numa narrativa apocalíptica sobre a humanidade, muito "na moda", como sabemos. O dispositivo é sofisticado (uma espécie de Roy Andersson sem ironia, só com sarcasmo, sem gag, mas com excesso de caricatura), mas apenas serve para mascarar uma revolta adolescente com a vida... Da mesma forma, não há espaço para o mistério nesta mise en scène automática, morta como um museu de cera, que funciona como uma máquina produtora de situações anedóticas e personagens decorativas. Não havendo mistério, resta uma repetição circular, algo enjoativa, de desconstruções sobre desconstruções da mesma ideia, uma longa martirização de um conceito inicial - "amor", "fé"... - que se compraz a si mesma com uma certa boniteza trendy e o "choque chic". Um osso luzidio para crítico morder.

("Paradise: Faith" passou hoje, dia 20, na Culturgest, na secção Observatório. Volta a passar dia 26, próxima sexta-feira, no mesmo local, às 21h30. Não vale a pena "bater mais no ceguinho": Seidl não é, definitivamente, a minha praia.)

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