terça-feira, 23 de abril de 2013

Shirley - Visions of Reality (2013) de Gustav Deutsch


Um arqueólogo das imagens em movimento, especialista em dar "nova vida" a imagens de filmes antigos, Gustav Deutsch inverte a fórmula aqui: cria ficção a partir de 13 quadros de Edward Hopper. Não se limita a "animar" esses quadros, porquanto encontra na personagem feminina, a actriz de teatro Shirley, um elo comum a essas imagens do famoso pintor norte-americano, datadas dos anos 30 aos anos 60. As figuras mexem-se, contam o que lhes vai no espírito (por vezes em reflexões interiores, marcadas pelo tempo, que ouvimos em over) e, num momento significativo, lêem para si e para nós. É neste momento que surge a explicação para o subtítulo deste filme: Shirley lê a Alegoria da Caverna, "pondo em xeque" essa categoria frágil que é o real e acentuando o poder da representação (as sombras que se projectam nas paredes da caverna platónica). De facto, o real de Shirley é uma sucessão de "quadros vivos" assinados por Hopper, ela não consegue ver para lá deles, como em Platão os acorrentados acreditarão sempre mais nas sombras projectadas que nos objectos (do exterior) que as projectam - e, por isso, essas personagens, como Shirley, nunca conseguirão "ver o sol".

Deutsch explora bem, por um lado, a intrusão do tempo (II Guerra Mundial, perseguição anti-comunista, etc.) nos seus quadros animados e, por outro lado, a vida "pintada", irrealizada, ou representada de Shirley em cada um dos seus quadros. Sabe, enfim, tornar a pintura num habitat natural para uma personagem real, quer dizer, tão real e concreta como as sombras de Platão. Ainda assim, também não posso dizer que Deutsch consiga muito mais do que tornar eficaz este dispositivo, isto é, cumpre academicamente esta proposta, mas não vai mais longe do que poderia ir, nomeadamente quando inunda de "jogos de sentido" as suas reconstituições cinematográficas do universo de Hopper. Como seria um filme desta natureza que apenas se limitasse a reproduzir os quadros, sem se preocupar tanto em quebrar com a sua natural imobilidade? Seria, talvez, mais concretamente, uma proposta radical em torno de um remake cinematográfico de um universo pictórico, algo que desafiaria mais - e talvez melhor - os limites que separam a arte das imagens em movimento da arte das imagens imóveis. Às vezes, less is more, sobretudo quando este more pode significar tanto.

("Shirley - Visions of Reality" passou hoje, dia 23, na secção Observatório. Volta a passar dia 28, às 21h30, no Cinema City Classic Alvalade. Objecto curioso que, se for fã da obra de Edward Hopper, não quererá de modo algum perder.)

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