sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

The Anger drive*

"Scorpio Rising" (1964) de Kenneth Anger

"Drive" (2011) de Nicolas Winding Refn

[Detestável: o moralismo pio - que já vinha do "Valhalla Rising" - em torno da relação do protagonista loiro, estupendo, "ariano" com a jovem igualmente loira, estupenda, "ariana" e o filho e marido hispânicos desta última. No fim, feitas as contas, são estes últimos que estragam, directa ou indirectamente, a pintura do filme e accionam o "anger drive" do "Driver", loner sem nome que é o que faz, que nunca complica - só descomplica -, que chega do nada e parte para o nada como uma personagem de um velho western. Atenuante: ao contrário do supracitado filme, Refn parece não levar muito a sério essa relação (etnicamente misericordiosa), quando põe o dono da garagem a parodiar o "drive" sacrificial do seu herói - "I know a lot of guys who mess around with married women, but you're the only one I know who robs a place to pay back the husband", desabafa a certa altura a patética personagem.
Notável: o update ultra-cool da estética 80's dos videoclipes, estética essa que também não é totalmente alheia ao cinema avant-garde de Kenneth Anger. Refn produz, desde os poderosíssimos minutos iniciais, a sensação de estarmos a ser transportados para o "lugar" de outro cinema - o de Michael Mann, o de John Flynn, o de Walter Hill, da noite e da cidade, dos revenge flicks, dos westerns "de rua" - mas simultaneamente também nos envia para o "tempo" de outro medium - da TV e do nascimento do teledisco.]

* - Será que devemos entender o título do filme de Refn como um verbo (to drive) ou como um substantivo (drive)? Eu ouso pensar que será interessante não descartar o segundo significado, e passo a citar uma das definições do dictionary.com: Psychology . an inner urge that stimulates activity or inhibition; a basic or instinctive need: the hunger drive; sex drive.

6 comentários:

Jay Addler disse...

Finalmente alguém atento! A mim ninguém me convence que este Refn não é um neo-nazi decidido em passar mensagens obscuras com os seus filmes. Reparem como o personagem do Ron Perlman , mafioso judeu, é afogado no mar, depois de pateticamente tentar fugir contra a maré. Uma metáfora clara de como a máquina hollywoodesca trabalha a favor da extrema-direita, a meu ver, sem escape.

Atentem também na forma como o personagem(?) de Ryan Gosling anda com o casaco do escorpião (o próprio animal,matreiro e subtil, em si mesmo, uma metáfora para o renascimento do cinema ligado à extrema direita que temos assistido nos últimos 15 anos) dobrado sobre o ombro, fazendo lembrar a forma como os oficiais da Gestapo descansavam os chicotes no ombro direito,quando não os estavam a usar.

É claramente um filme que promove ideologias fascistas e fico feliz por não ser o único atento a estes detalhes.

Respeitosamente

Jay Addler

Luís Mendonça disse...

O "gang" do filme de Anger é também um bando de motoqueiros gays e neonazis!

A ironia de Anger não é, contudo, partilhada por Refn, neste particular.

Concordo que o Refn é um pouco fascizóide - de facto, a referência ao judaísmo do Perlman, antes deste se revelar a "mente (muito pouco) brilhante" por trás do esquema "do dinheiro" não é inocente, porque, caso contrário, seria, de facto, apenas um "pormenor" a evitar no rascunho final do argumento.

De qualquer modo, temos de relativizar.

Não é o primeiro, nem o último, realizador de extrema-direita a singrar em Hollywood. Esta semana regressa o muito menos talentoso Joel Schumacher, o mais perigoso deles todos. E, por muito que doa a muita gente, há consagrados "autores" que são ideologicamente ambíguos. Lembro-me, por exemplo, do Cimino ou do Herzog.

Recordo também, com um budget e máquina de marketing incomparavelmente superior a "Drive", o maior pedaço de propaganda nazi, beligerante e racista, chamado "300" do Zack Snyder.

Cumprimentos,

Sam disse...

Não vejam coisas onde elas não existem...

Carlos disse...

É realmente estranho como ninguém questiona o porque o herói veste a máscara "skinhead" do herói hollywoodiano (do qual ele é um dublê explorado arriscando sua vida) para matar o personagem judeu numa cena semi-batismo. Não tem pq dentro da lógica da trama. E a forma como a cena é feita, propositalmente com a música realçando a suposta falta de motivo pra vestir a máscara... Acho que teria passado reto se não tivesse lembrado que ele fez Valhalla

Li em algum lugar tbm que a faca usada pra cortar os pulsos do amigo do herói é lavada na pia e guardada. Quando se assiste, passa reto (e ninguém questiona pq essa cena existe, pq estamos vendo isso, pq o filme mostra isso, qual a relevância, o que significa, o que diz sobre o personagem etc). Mas o comentarista que li talvez apontou corretamente: é mostrando o personagem judeu em "blood libel" com a faca supostamente "kosher" ou (ele apunhala depois a barriga do herói mítico quasi-Cristo).

estranho demais. único lugar que vi comentado foi Seth Rogen falando "Drive made Jews so scary I thought Mel Gibson directed it" e só.

Luís Mendonça disse...

Vi recentemente "Bronson" de Refn, outro filme - horrendo filme, aliás - que parece trilhar os mesmos caminhos: grande elogio à força bruta, à aniquilação (eugénica) dos mais fracos...

Penso, com objectividade, e agora também não me sinto tão só, que Refn é um cineasta que perfilha perigosamente um gosto pela iconografia nazi e faz dela discurso ideológico subliminar.

Cumprimentos e obrigado pelo contributo,

Carlos disse...

O engraçado é que eu dei o benefício da dúvida pra Drive justamente pelo Bronson. O filme parecia explorar a masculinidade como 'performance' (quase que nos termos da Judith Butler). O filme é lotado de visuais de palcos (e compara a performance dele com a perfomance de strippers), faz ridículo do nome de herói de ação americano, é cheio de visuais da performance de masculinidade como uma cela de prisão, e é retratado de forma cômica pelo Tom Hardy (é quase que um "drag" masculino).

O filme parecia explorar a fonte desses signos que são importados pros EUA e então jogados pro resto do mundo (o herói careca, o sotaque e jeito bruto de áreas britânicas pobres, semi-elogios a criminalidade no estilo Guy Ritchie etc - era quase que "Tom Hardy interpreta um personagem de Jason Statham como se fosse Leslie Nielsen atuando").

Quando terminei de ver Bronson, cheguei até a considerar que Valhalla poderia ter tido a proposta de exorcisar símbolos nórdicos pra longe de idéias nazistas - mas Drive passa outra idéia.

Obrigado você pelo post.

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