quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Prémios CINEdrio 2011

Com o top publicado, avanço para os prémios do ano.

Melhor filme: "The Tree of Life". Vi e revi, e tenho a dizer o seguinte: "The Tree of Life" é , quanto a mim, antes de tudo, uma experiência poderosíssima de redescoberta dos limites "originários" da existência. A existência, ponto 1, como "produção de vida", a existência, ponto 2, como "experiência de toque", de reconhecimento do outro, a existência, ponto 3, como luto, como celebração e aceitação de um Fim (para que algo "exista" alguma coisa tem de desaparecer, alguma coisa tem de falhar, daí a natureza destrutiva do homem, que começa no ódio de morte do miúdo pelo pai... por si mesmo... e termina com a morte de um filho e a incompreensão da mãe, do pai, do filho dirigida a Deus). A marcha final, com vivos e mortos de mãos dadas, é, a meu ver, um momento de aceitação de tudo isto, logo, um poderoso hino à vida. É que a criança que morre é, como Job, a "boa" do filme, algo que a justiça dos homens não compreende, mas que é parte da vida, isto é, parte fundamental da nossa existência/insistência.

"The Tree of Life" não é um filme cristão, pois, mais do que isso, é um filme transcendente ou, essencialmente, Re-ligioso. Malick aceita a graça - a mãe - mas também encontra beleza, uma "necessária" beleza, na implacabilidade (se calhar, pouco cristã...) da Natureza - o pai. Não é espantoso que o universo nasceu de explosões, cinzas e caos? O universo nasceu da destruição e continua a constituir-se e a progedir, mesmo no mais microcósmico dos "ciclos de vida", alimentando-se desse "fim" - como uma experiência de luto em contínua renovação. Fica a ressoar no espírito de quem quis ver e ouvir este monumento malickiano uma oração, que começa assim: celebremos, "sem culpa", o Fim como geração de vida algures no espaço... de uma árvore, quem sabe.

Melhor realização: Terrence Malick. Por todas as razões já expostas e que se seguem, no próximo prémio.

Melhor plano: Frammartino em "Le quattro volte". Aqui, muito sinceramente, apetecia-me responder "todos os planos de "The Tree of Life", da "dança dos pássaros", passando pela "dança da mãe" (pelo ar... como um pássaro? Não, como uma borboleta...), ao plano invertido das sombras das crianças que brincam sobre o asfalto..." O filme de Malick é uma obra-prima cinematográfica de uma pureza e transcendência visual que não cabe num plano isolado. Por isso mesmo, escolho o magnífico plano-sequência, ou melhor, o magnífico plano-sequênciaS de "Le quattro volte", que tem o cãozinho, que atrapalha a procissão romana, como denominador comum, uma espécie de pêndulo que entrecruza, num curto percurso, várias pequenas narrativas. Só visto, porque parece um milagre.

Melhor actor: Peyman Moaadi ("Uma Separação") em ex aequo com Albert Brooks ("Drive"). O rosto marcante do excelente filme de Farhadi é, talvez ao contrário do que seria de esperar, o do pai, interpretado por Peyman Moaadi, com uma sinceridade e naturalidade comoventes. Albert Brooks, por seu lado, é a mais arrojada "solução de casting" do ano; ele que interpreta o cruel, mas ao mesmo tempo "compreensivo" vilão de "Drive", lançando assim vinagre sobre uma carreira feita de personagens bondosas e docemente "passivas" (vide, por exemplo, "Lost in America" ou o genial "Broadcast News").

Melhor actriz: Anabela Moreira ("Sangue do Meu Sangue"). O pódio é dela e só dela. Foi a interpretação mais exigente do ano, de uma entrega "com o corpo" que não vemos habitualmente no cinema - só talvez nas personagens femininas de Lars von Trier. Já a tínhamos destacado em "Mal Nascida", mas aqui consegue a proeza de sobressair, com grande mérito, num dos elencos mais fortes do ano.

A revelação: Susana Sousa Dias. Foi tirar do baú as imagens do Portugal sombrio de Oliveira Salazar, da PIDE, do terror e do trauma. As imagens dos rostos "encarcerados" da Resistência sobrepõem-se em camadas de memória (repressivas, reprimidas), revelando - e o termo certo é mesmo revelar - a dimensão aurática da imagem fotográfica, que Benjamin fala n'"A Pequena História da Fotografia". Com "48", Susana Sousa Dias ensaia sobre o poder extraordinário que as imagens desse Portugal irreconhecível conferem às suas vítimas: o poder de lembrar e, mais importante, o poder de esquecer. Por um lado, as fotos despertam narrativas que estavam adormecidas; por outro lado, só essas fotos conseguem libertar as histórias de quem as viveu (o narrado passa a narrador). É um aprisionamento NA imagem que é seguido de uma libertação do encarcerado DA imagem. Uma cartarse histórica, que Susana Sousa Dias inicia (des)assombradamente.

A desilusão: David Cronenberg ("A Dangerous Method"). É Cronenberg a reprimir Cronenberg, isto é, a deixar de fazer psicanálise para passar a se constituir como objecto de psicanálise. Uma "psicose autoral", uma egomania snobe, talvez decorrente de uma qualquer crise de meia idade consubstanciada num career move mais estratégico do que estético: ao se constituir como um realizador à americana, à moda antiga, deixará de queixo caído quem viu no seu cinema a mais expressiva "exteriorização de uma interioridade". Agora temos o auto-referencial e muito "caro" processo inverso: tudo o que se exteriorizava é agora interiorizado, para ser detectado "à superfície" com pinças e uma lupa - pasmem-se se quiserem, Cronenberg agora é MESTRE! Resulta daqui o seguinte: o novo Cronenberg é cinema de género para as massas - e funciona! - e trabalho de crítico erudito (subtextual) para as elites - e, pelos vistos, também funciona! Eu, pela minha parte, não tenciono fazer parte deste jogo tão demagógico quanto reaccionário.

(Subtileza, subtileza... a palavra parece marcar presença em quase todos as críticas entusiastas deste filme de Cronenberg, mas só vejo subtileza no seguinte: o filme sobre os pais da psicanálise é o menos psicanalítico filme de Cronenberg, ou só é psicanalítico na medida em que faz do filme e do seu realizador um caso de psicanálise: por que adapta Cronenberg esta história agora? Não está Freud e o surrealismo e os complexos de édipo e castração devidamente latentes em toda a sua obra? Cronenberg adapta esta história para mostrar que consegue falar de Freud sem ser freudiano, sem ser "cronenberguiano"! Quem se seguirá no futuro próximo: um Kafka não kafkiano? Brilhante! Subtil!, dizem... Subtileza mole e indolente, acrescento eu.)

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