Apetece-me falar da aparição televisiva do autor da série de livros "O Reino" e "O Bairro" por dois motivos.
Primeiro, porque a intervenção pública de Gonçalo M. Tavares é uma verdadeira intervenção pública. E proponho, desde já, que se faça uma limpeza completa da palavra intervenção e que se lhe vistam roupas novas e lavadas. É que, felizmente para nós, humanidade, pessoas pensantes e agentes deste mundo, não é só a Troika e os deputados da nossa Assembleia que fazem intervenções. Ainda há massa cinzenta e ideias que fervilham na cabeça dos que resistem ao regime totalitário, intelectualmente terrorista, imposto dia-a-dia pelos nossos media e classe política.
Segundo, porque no debate Cinema na RTP2 o cineasta João Mário Grilo silenciou a zombaria grosseira do senhor Jorge Wemans. O director da RTP2 iniciou a sua muito antecipada "intervenção" descredibilizando, desde logo, o título da nossa causa, referindo-se especificamente, e com uma certa soberba, à palavra "regular" como um lapso semântico da nossa parte. João Mário Grilo contra-atacou magistralmente separando as águas entre aquilo que deve ser entendido como "coisa regular" (uma realidade estatística, uma coisa que se repete quantitativamente) e uma "regularidade" (algo que, repetindo-se, gera uma certa "identidade", um hábito, uma cultura, o que quiserem chamar...). Wemans falava "de cor" da sua tabuada, Grilo elaborava sobre os assuntos do espírito.
Concordo com esta visão e reconheço que ela também presidiu à formulação do título da petição. Mas quando falámos numa "programação regular" também falámos de uma "coisa regular". É que, como não tive oportunidade de dizer, a RTP2 não é tão constante quanto leva a crer na sua programação de cinema. Por vezes, nomeadamente, em épocas festivas, a RTP2 volta a passar filmes diariamente. Esta semana, por exemplo, o canal de Wemans celebra o cinema de Burton; depois, passa 5 filmes de Almodóvar, mas... e depois? Depois, se quiser manter a coerência da sua política de programação ao longo destes anos, Wemans voltará a dar-nos cinema como quem dá pão a pombos, na sua Sessão Dupla de sábado. Talvez se distraia e nos dê mais uns filmitos ou uns documentáriozitos aqui e ali, "salpicados pela semana", antes da crucificação (da Páscoa).
Estamos, aqui, a falar do espírito, ou ausência dele, da tabuada atabalhoada de um tecnocrata chamado Wemans, homem que intervém no seu canal um pouco como a Troika intervém no país: com balancetes, balanços, déficits... folhas e mais folhas de estatística e uns quantos powerpoint a debitar "perspectivas de negócio". Mas, lamentavelmente, com pouco ou nenhum discurso que transforme a rude opacidade da Folha de Cálculo (sheet). O corolário de tudo isto é ainda termos, hoje, uma televisão pública cativa do fascínio de uns quantos senhores pela "ciência" estupenda da audimetria, loucos amantes de exercícios muito criativos e imaginativos de quantificação da sua programação pouco imaginativa e pouco criativa.
Ouçamos Gonçalo M. Tavares e ouçamos especialmente bem o que envolve o sentido das palavras que citamos em epígrafe.
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