sábado, 3 de dezembro de 2011

Melancolia e Lars von Trier: por um cinema do risco

No post sobre o mais recente filme de Cronenberg escrevo que "gosto do risco". Como tal, não alinho minimamente com quem tem gasto o seu latim a desmerecer as últimas obras de Lars von Trier. Acho que o realizador dinamarquês está em grande forma, sem receios ou meias tintas em abrir caminhos novos no seu universo sempre a tender para o Apocalipse. Esta espécie de "Solaris na Terra" sobre a depressão humana como estado metafísico não é excepção.

Faço eco de duas reacções, nas quais me revejo, a este épico wagneriano sobre o fim do mundo, teorização plástica sobre uma "imobilidade em movimento". Cito o Carlos Pereira e o Carlos Natálio conscientemente em contra-corrente com a lamentável recepção da crítica portuguesa ao filme - que choca, aliás, com o seu deleite snobe pelo molengão filme de Cronenberg.

Admito que não gostem do Von Trier, mas se há realizador que se expõe no presente é ele (a alma na obra, já dizia o Dreyer e muitos dos grandes). Mais: "Melancholia" tem uma estrutura narrativa tão impressionante e cirúrgica como poucas no cinema contemporâneo, algo que os seus detratores pura e simplesmente irão ignorar em virtude de julgamentos morais ou debates inconsequentes sobre sequências arty. Começar com um casamento falhado é falar sobre a impossibilidade de vínculo, e ao acabar com o mundo de forma tão seca (e primitiva) deixa-nos um filme "definitivo", consciente da sua mortalidade e da mortalidade dos homens. Uma última imagem, uma última respiração. E que espantosa direcção de actores. Kirsten Dunst parece ter comido a alma fatalista de Von Trier antes de cada plano e arranca um dos melhores nus do cinema. Como aquele miudo do "Yi-Yi" que tirava fotografias às nucas, Von Trier devolve-nos o outro lado da nossa verdade. Os espelhos são dificeis. Para mim, o acontecimento do ano e um dos grandes filmes do mundo.

Carlos Pereira, blogger do Stranger Than Paradise em comentário no Facebook.

(...) [A]rriscamos uma comparação, que Lars von Trier seja uma espécie de Schopenhauer do cinema contemporâneo. No final da sua vida, o filósofo alemão pôs um pouco de parte os pensamentos sobre a dor desta vida e a morte e suicídio como únicas soluções, para depois abraçar Deus. Lars von Trier ainda é novo, mas conhecida a sua evolução enquanto cineasta, há já vários anos a filmar o fim - o fim das relações, dos países, das expectativas e desta vez o fim do mundo - perguntamo-nos: o que virá depois do fim?

Para já apenas um genérico.


Carlos Natálio, in blogue Ordet (leia o resto aqui).

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