sábado, 24 de dezembro de 2011

Os rostos de 2011

Figura do ano (internacional)

Jafar Panahi

A sua vida foi virada do avesso desde que resolveu apoiar publicamente o candidato-verde Mir Hussein Mussavi, que fez das eleições presidenciais de 2009 um dos momentos de maior contestação interna à governação de Ahmadinejad. Condenado a 6 anos de prisão e a uma interdição de filmar durante 20 anos, Panahi preparou a sua defesa em prisão domiciliária durante o mesmo período em que fez "Isto Não é um Filme", uma provocação política, em primeiro lugar, e uma leitura ontológica sobre os limites da linguagem cinematográfica, em segundo lugar.

Bem... Panahi não "realizou" propriamente um filme - porque isso seria ilegal -, na realidade, o que ele fez foi "desrealizar" um dos seus últimos argumentos que, por razões políticas, viria a não se concretizar e que nunca poderia ser realizado nas condições presentes de Panahi, entre quatro paredes e sem a efectiva possibilidade... de realizar - "Isto Não é um Filme" é, por isso, sobre a impossibilidade de um filme e, ao mesmo tempo, sobre a urgência anti-egotista do cineasta-artista de o fazer. Quem realizou esta "desrealização" foi o seu amigo Mojtaba Mirtahmasb, ainda que Panahi "comande" cada movimento de câmara, determine o conteúdo deste "filme que não é um filme" - a única coisa a que está "proibido" é de "mandar cortar".

Os limites da realização numa obra feita em cativeiro, que lembra "Offside", filme que Panahi assinou em 2006, nomeadamente, a situação das mulheres aficcionadas de futebol que, proibidas de assistir por razões legais/culturais ao jogo que opõe a selecção do Irão à do Bahrein, se vêem limitadas por um perímetro de segurança, dentro do qual o jogo só lhes chega em ruídos ou mediado, através de relatos feitos pelos seguranças. Em certa medida, "Offside" é um "Isto Não é um Jogo de Futebol" para essas mulheres, que se debatem com a angústia de estarem simultaneamente perto e muito longe do objecto de desejo: portanto, um jogo de bola, neste caso; um filme que não foi realizado ou "à beira de se realizar...", no primeiro caso. Constatação assombrosa, proporcionada por esse double bill que chegou às nossas salas este ano: mesmo preso, "sem perspectivas de futuro", Jafar Panahi continua a pensar o seu país e a condição dos que nele produzem e procuram imagens - outras e novas imagens... Algo notável, que mereceu a minha sincera compaixão.

Figura do ano (nacional)

Susana Sousa Dias

Já escrevi, mas repito: com "48", Susana Sousa Dias ensaia sobre o poder extraordinário que as imagens de[ um] Portugal irreconhecível conferem às suas vítimas: o poder de lembrar e, mais importante, o poder de esquecer. Por um lado, as fotos despertam narrativas que estavam adormecidas; por outro lado, só essas fotos conseguem libertar as histórias de quem as viveu (o narrado passa a narrador). É um aprisionamento NA imagem que é seguido de uma libertação do encarcerado DA imagem. Uma cartarse histórica, que Susana Sousa Dias inicia (des)assombradamente. Acrescento ainda que, para além de ter feito o filme português mais significativo do ano, Susana Sousa Dias foi uma das responsáveis pela programação do último DocLisboa, que, nem por acaso, teve, quanto a mim, a sua melhor programação de sempre. Está, portanto, duplamente de parabéns.

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